Apagão? Não, imposição de um modelo decadente
- Detalhes
- Telma Monteiro
- 07/03/2014
Ironia do destino. O JN informou que as hidrelétricas estão com nível quase igual ao da época do apagão.
“Foi o terceiro mês seguido de queda. A quantidade de água dos reservatórios nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, que abastecem 70% do país, vem baixando desde o início da temporada de chuvas: 43% da capacidade de armazenamento em dezembro do ano passado; 40% em janeiro deste ano e 34% agora em fevereiro. É um nível semelhante ao de fevereiro de 2001, ano do racionamento, quando os reservatórios estavam com 33% da capacidade”.
Bem feito. Não foi falta de avisos por parte de cientistas, especialistas, pesquisadores, professores. Uma matriz elétrica calcada em mais de 70% em hidrelétricas, com as mudanças climáticas batendo na nossa porta, só poderia dar nisso. “Fartura de energia”, diz o governo. “Somos abençoados por uma energia tão limpa, enquanto o mundo se estapeia por ela”. Mas esse mundo já saiu na frente, buscando a solução. E o Brasil? Não saiu do lugar.
As usinas no rio Madeira foram impostas à sociedade com o argumento de que estaríamos à beira do apagão se elas não fossem construídas. O mesmo argumento foi usado para justificar Belo Monte. O mesmo está sendo usado para também justificar as usinas no rio Tapajós e no rio Teles Pires.
De 2003 até agora, onze anos depois que essa histeria começou, as usinas do Madeira, já em conclusão, não estão servindo para nada. As linhas de transmissão, com 2.450 km para trazer a energia de Porto Velho para o Sudeste, só ficaram prontas depois que as turbinas de Santo Antônio estavam operando. As mesmas turbinas de Santo Antônio que agora foram desligadas por ordem do Operador Nacional do Sistema (ONS) devido à cheia. Linhas de transmissão com custo absurdo não estão transportando, hoje, nenhum megawatt/hora (MW/h). A previsão é de que as cheias da bacia do rio Madeira vão avançar para todo o mês de março.
Na mesma toada vão as obras de Jirau, com algumas poucas turbinas em operação, com custos que já dobraram, subsidiados pelo BNDES dos governos de Lula e Dilma Rousseff, ameaçadas de colapso pela enchente histórica. Do outro lado da fronteira, as autoridades bolivianas gritam que tinham a garantia das autoridades brasileiras de que as usinas não afetariam seu território. Balela! Tanto os bolivianos como os brasileiros sabiam direitinho que a Bolívia sofreria com as hidrelétricas. Até os estudos de viabilidade confirmavam isso. Estudos que os próprios empreendedores fizeram e que a Aneel aceitou.
Nada melhor para calar a boca de uns e outros que promessas de dinheiro e mega-obras para políticos corruptos e empreiteiras sequiosas por empreendimentos, que consomem muito concreto e ferro e precisam remover milhares de m³ de rochas. Mais duas hidrelétricas foram acertadas, uma em solo boliviano e outra binacional, e então ficou o dito pelo não dito.
O rio Madeira foi subestimado quando os estudos de viabilidade e ambientais foram elaborados, lá em 2002/2003. Nesses onze anos, não houve a mínima preocupação do governo para incentivar programas de eficiência energética ou de economia de energia elétrica. População, indústria e comércio continuaram num festival de consumo de energia elétrica, já que o possível apagão iminente, inventado pelo setor elétrico do governo, tinha sido evitado com as usinas no rio Madeira.
Porto Velho está a jusante (rio abaixo), cerca de seis quilômetros da barragem de Santo Antônio, e está sofrendo seus impactos. Bom lembrar que Altamira, no Pará, ao contrário, está cerca de seis quilômetros a montante (rio acima) da barragem de Pimental, da hidrelétrica Belo Monte. Se as cheias que assolam a bacia do rio Madeira se repetirem na bacia do rio Xingu, teremos surpresas desagradáveis. Alguém já está pensando nisso?
Nem as alternativas como a energia eólica e solar fotovoltaica fizeram parte do planejamento sempre ruim do Ministério de Minas e Energia (MME). Menos mal, quem sabe assim, com um sistema à beira de um colapso, alguém no governo começa a pensar em para quem realmente está servindo a energia produzida pelas hidrelétricas e para que ela está sendo utilizada, na verdade. E seria bom aproveitar o embalo para tentar (acho que já escrevi isso mais de uma centena de vezes) minimizar as perdas técnicas das nossas linhas de transmissão e distribuição sucateadas. Isso também gera apagão.
Para agravar a situação, dona Dilma, querendo fazer gracinha com o povo brasileiro, que, infelizmente, não entende essa história de energia elétrica, acabou prometendo descontos mirabolantes na conta de luz. O resultado, evidente, foi o aumento do consumo.
Como isso tudo vai acabar? Não tenho bola de cristal, mas que a caixa preta do Ministério de Minas e Energia tem de ser aberta, tem. Essa seria uma boa oportunidade com a questão tão evidente na mídia.
Telma Monteiro é ativista sócio-ambiental, pesquisadora, editora do blog http://www.telmadmonteiro.blogspot.com.br, especializado em projetos infra-estruturais na Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil.