Correio da Cidadania

O escândalo do licenciamento ambiental das hidrelétricas no rio Tapajós – Parte 2

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Os indígenas e a comunidade Pimental

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Menos de um mês depois de autorizada a retomada do processo de licenciamento da UHE São Luiz do Tapajós, em 9 de fevereiro de 2012, uma nova minuta do Termo de Referência (TR – para elaboração do EIA/RIMA), revisado e alterado, foi encaminhada pelo Ibama à Eletrobras. A partir daí tudo foi rápido. O plano de trabalho para o levantamento biótico foi aprovado. O primeiro pedido de supressão de vegetação protocolado. Sem tempo a perder.

 

Em 16 de fevereiro, os representantes da Eletrobras, Eletronorte, CNEC (responsáveis pela elaboração dos estudos ambientais) e Ibama se reuniram no escritório da Eletrobras em Brasília, para discutir a minuta do TR.

 

No dia seguinte (17), a Funai oficiou o Ibama sobre o seu descontentamento com o TR. Aludiu à Portaria Interministerial 419/2011, que considera haver interferência em terras indígenas situadas até 40 quilômetros de um projeto hidrelétrico. E se as terras indígenas estiverem a 20 quilômetros a montante (rio acima) do reservatório, elas estão sujeitas aos impactos decorrentes da construção de uma hidrelétrica.

 

“(...) estabelece presunção de interferência em terras indígenas para aproveitamentos hidrelétricos localizados, na Amazônia Legal, a até 40 km de distância de terras indígenas, ou situados na área de contribuição direta ou reservatório, acrescido de 20 km a jusante”.

 

O ofício da Funai não só menciona a Portaria 419/2011, como lista as terras indígenas que estão situadas nos limites estabelecidos por ela. As TIs Andirá-Marau, km 43, Pimental, São Luiz do Tapajós, Praia do Mangue e Praia do Índio se enquadram na portaria. Mesmo em processo de delimitação, as três primeiras se encaixam na portaria e as duas últimas estão sob supervisão de Grupo Técnico objeto de outra portaria (n°1.050/PRES.)

 

A Funai determinou, então, que todas as TIs mencionadas no ofício fossem contempladas no TR do Estudo do Componente Indígena (ECI) e, ainda, que o estudo da Referência n° 09, de índios isolados, com status de “não confirmada”, localizada no interflúvio com a bacia hidrográfica onde se planeja a construção da UHE São Luiz do Tapajós, era prioridade da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC).

 

No mesmo dia, 17 de fevereiro de 2012, o Ibama expediu o TR definitivo que orientaria o EIA/RIMA.

 

Um fato positivo. Do TR, com 36 páginas, consta uma exigência de grande importância e inédita nos processos de licenciamento ambiental de hidrelétricas: a apresentação de um Estudo de Cumulatividade e Sinergia da Bacia do rio Tapajós. Deve, determinou o Ibama, haver uma avaliação de todos os efeitos/impactos cumulativos e sinérgicos decorrentes da implantação das hidrelétricas previstas na Bacia do rio Tapajós.

 

O IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) também emitiu um TR independente que determinou serem necessários estudos etno-arqueológicos, uma vez que a região do rio Tapajós se caracteriza pelas atividades de subsistência das populações indígenas. Ressaltaram especialmente os Munduruku e as terras indígenas já mencionadas pela Funai. O IPHAN observou ainda que deveria ser garantido o processo participativo das comunidades afetadas.

 

Convidados para contribuir com o TR, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) fez algumas observações e uma delas, em especial, foi desconsiderada: a de trazer para o momento atual a comparação entre as propostas constantes nos estudos de inventário e a tecnologia escolhida, em relação a outras opções de energia renovável. Infelizmente, essa contribuição não foi adicionada no TR.

 

A Eletrobras tentou, ainda uma vez, alterar o TR, embora o Ibama tenha dado como definitiva a versão final acordada na reunião.


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A vistoria

 

Em junho de 2011, o Ibama fez uma vistoria técnica para reconhecimento da área de influência da UHE São Luiz do Tapajós. O relatório dessa vistoria só foi apresentado em 17 de janeiro de 2012 e nele há alguns relatos importantes. Um deles diz respeito ao primeiro ponto vistoriado, a comunidade de Pimental, onde os moradores já se sentiam desrespeitados depois de serem surpreendidos pela visita inesperada de funcionários da Eletrobras. O conflito já começara na comunidade de Pimental.

 

Na comunidade de Pimental moram aproximadamente 800 pessoas e lá foi o local escolhido, no projeto, para a implantação da barragem da UHE São Luiz do Tapajós. Pesca artesanal e criação de peixes ornamentais são as principais atividades. As famílias foram pegas de surpresa com a presença da equipe do empreendedor.

 

O relatório da vistoria também acusa a presença de muitos barcos garimpeiros no trecho planejado para o reservatório e dentro do Parque Nacional da Amazônia. Os técnicos do Ibama visitaram, ainda, as comunidades Palhal, Raiol, São Luiz do Tapajós e Vila do Tapajós. Com todas essas comunidades, essa é a região que, numa entrevista recente, Altino Ventura Filho, secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, declarou que é desabitada, o que justificaria a escolha do governo para a construção da hidrelétrica.

 

O descaso do governo com os Munduruku

 

Nesse estágio do processo, as lideranças Munduruku de todas as aldeias, em carta ao Ministério de Minas e Energia, se recusaram a permitir a realização de pesquisas para os estudos ambientais, sem uma prévia reunião com as autoridades.

 

Junto com a carta, uma comissão de lideranças indígenas apresentou um relatório sobre as visitas feitas nas aldeias das TI Munduruku e Saí Cinza no período entre 19 de janeiro a 5 de fevereiro de 2012. O relatório é um levantamento da situação terrível em que os índios se encontravam.

 

As lideranças visitaram nove Polos Base que congregam 55 aldeias nos rios da Tropa, Kabituto, Cururu e Tapajós. A população indígena ouvida reclamou da falta de assistência e da falta de fiscalização da Funai. Sem exceção, reivindicaram uma reestruturação da Funai e mais recurso para a coordenação regional do Tapajós.

 

O relatório é dramático e mostra o quanto as aldeias estavam desassistidas, abandonadas com relação à saúde. Faltavam medicamentos e técnicos de saúde. Crianças estavam morrendo de malária. A distribuição dos medicamentos estava precária e insuficiente. Os postos de saúde, abandonados, estavam entregues à sujeira e aos morcegos. Faltavam comida, macas, enfermarias e quartos na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) de Itaituba e Jacareacanga. Há mais de seis meses não havia combustível para deslocamento dos profissionais da saúde na região do Teles Pires.

 

Para as lideranças tudo isso seria um sinal de que o governo não liga para o sofrimento dos indígenas. Faltam peças de reposição para motores de bombas d’água e motores de popa. Não há voo para atender os pacientes com emergência. É o relato do caos e do abandono. Sem misericórdia.

 

Continua na Parte 3


Leia também

O escândalo do licenciamento ambiental das hidrelétricas no rio Tapajós – Parte 1


Telma Monteiro é ativista sócio-ambiental, pesquisadora, editora do blog http://www.telmadmonteiro.blogspot.com.br, especializado em projetos infra-estruturais na Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil.


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