Estados Unidos e Síria: a estranha aliança
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- Virgilio Arraes
- 09/10/2014
A emergência da atual configuração de poder entre o território do Iraque e da Síria é consequência da ação indiretamente desestabilizadora dos Estados Unidos no novo século, embora sem ter sido intencional.
De maneira tardia, Washington havia ambicionado trazer o Oriente Médio para o padrão democrático neoliberal. O primeiro país seria o Iraque, uma ditadura remanescente do pós-Guerra Fria; portanto, disfuncional e falta de aliados bem estruturados.
Naquele momento, todavia, a ideologia a ser aplicada por Washington também já estava deslocada. O neoliberalismo nem sequer mais era considerado distópico, apenas ineficiente, haja vista o fracasso na América Latina, por exemplo.
Apesar de anos de intensa presença militar, nem o Afeganistão e nem o Iraque se aproximaram daquilo que a Casa Branca minimamente aspirava em termos políticos e econômicos. Se antes havia a expectativa de fixação de uma cultura democrática entre as sociedades oprimidas, nos dias atuais há a circulação de ideais fundamentalistas, executados em boa parte do território de duas antigas ditaduras da época da Guerra Fria, ainda que uma dela ainda persista – a Síria.
A questão do fanatismo político-religioso não se limita à região do Oriente Médio. A instabilidade expande-se, ao marcar a Líbia, Quênia, Sudão do Sul, Iêmen, entre outros.
Na prática, onde há o controle territorial por governos próximos do Ocidente, há as tradicionais práticas de países apenas formalmente democráticos: patrimonialismo, personalismo político, marginalização dos adversários, uma vez que existe o predomínio de critério religioso, étnico, geográfico etc.
Diante disso, os gastos governamentais norte-americanos jamais serão compensados pelos contratos de suas corporações com dirigentes médio-orientais e norte-africanos. Além do mais, não se pode desconsiderar um custo total em torno de 2 trilhões de dólares com a II Guerra do Golfo, onde houve a morte de quase 5 mil combatentes estadunidenses e mais de 30 mil feridos. Do lado iraquiano, estima-se ao menos 200 mil falecidos.
O presidente Barack Obama parcialmente cumpriu sua promessa de encerrar as duas guerras herdadas. Se não houve o aumento de efetivos para aquela área, por outro, o conflito se transformou, ao optar pela utilização maciça de veículos aéreos não tripulados para executar missões militares de alto risco.
Estas ações até se ampliam com o propósito de destruir locais vinculados ao chamado Califado, ansioso de nova delimitação fronteiriça, como refinarias ou setores de treinamento dos grupos armados, por exemplo.
Uma das justificativas das incursões aéreas seria a de resguardar a segurança da população estadunidense, uma vez que o primeiro ministro do Iraque, Haider al Abadi, havia informado que seu serviço de espionagem teria descoberto planos para ataques ao metrô de várias cidades, entre as quais Nova York.
Com isso, o temor se espraia na sociedade norte-americana e o governo aproveita-se para manter-se militarmente ativo no Oriente Médio.
Há uma contradição entre uma população cada vez mais belicista, em função da existência de bases ao redor de todo o mundo e de pelejas em andamento, mas, ao mesmo tempo, com uma classe média que já não é obrigada a compor suas forças armadas desde o final da Guerra do Vietnã, na primeira metade da década de 70.
Ao estipular o prazo de três anos para a contenção do Estado Islâmico, a gestão Obama já certificou ao seu sucessor, a despeito de quem seja, o fardo a administrar. Tal qual seu predecessor, ele também deixará ao menos uma guerra em curso, apesar de desenvolvimento diferente.
Ataques aéreos por si não encerrarão a confrontação com os fundamentalistas. Eis o dilema. A Casa Branca terá de recorrer a forças iraquianas e sírias para se contrapor aos integristas. No primeiro caso, não haveria restrições para financiar e treinar as tropas, porém, no segundo, sim. Aguarde-se a formação de novas alianças no Oriente Médio, a despeito de quão estranhas sejam.
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Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.