Correio da Cidadania

Estados Unidos e Brasil: esperança frustrada

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Dias antes da posse de Barack Obama, duas hipóteses baseadas na importância do Brasil para a América do Sul vieram à tona a partir dos Estados Unidos: a primeira vinculava-se à possibilidade de o Planalto auxiliar militarmente o combate ao narcotráfico no continente. A possível resposta seria mais uma vez ‘não’ por envolver o caro conceito da autodeterminação dos povos, preceito constitucional.

 

A segunda conectava-se com a perspectiva de ser Brasília um eventual mediador político entre Washington e Caracas, La Paz e Havana. No caso, isto seria possível, até por reforçar a aspiração maior da política externa: a aquisição de um assento definitivo no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

 

Naquela altura, janeiro de 2009, o governo brasileiro já não era avaliado à esquerda. Basta recordar-se da afirmação de Roger Noriega, secretário de Assuntos do Hemisfério Ocidental durante julho de 2003 a outubro de 2005, sobre o perfil político-econômico de Obama e Lula:

 

“Ambos estão determinados a fazer a democracia e o livre mercado funcionar para toda sua população, em sociedades multiétnicas vastas. A parceria que esses dois homens podem conseguir erguer, partindo dessa base comum, vai moldar o futuro das relações dos EUA com o Brasil e o resto da América Latina durante décadas vindouras. Obama vai aprender com Lula que a maioria dos líderes políticos da região - mesmo os que integram a ‘esquerda’ tradicional - está plenamente engajada com políticas de livre mercado responsáveis e governança democrática”. Cf. www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1801200908.htm.

 

O novo dirigente norte-americano assumiu um país com a sociedade em desesperança, ao ter seu antecessor se envolvido com duas distantes guerras de médio porte sem chances de êxito, em que houve registro de constantes desrespeitos a direitos humanos, e com uma derrocada econômica de vulto, onde a taxa de desemprego era a mais elevada em uma década e meia, ao superar sete por cento. Assim, a afadigada Casa Branca necessitava de ajuda diplomática, mesmo de maneira momentânea.

 

A contrapartida aos parceiros poderia ter ocorrido na economia de duas formas: a primeira teria sido a recuperação da chamada Rodada Doha, em que se valorizaria o agronegócio, em cuja dependência encontra-se o país cada vez mais desde o início dos anos 90.

 

Estas negociações multilaterais teriam dificultado a adoção de mais medidas protecionistas por parte dos Estados Unidos, haja vista a persistência da crise econômica.

 

No plano emergencial de quase oitocentos bilhões de dólares enviado ao Capitólio pela Casa Branca, ‘Buy America’, vários deputados emendaram-no, ao estipular a utilização de aço e ferro nacional em obras públicas, a não ser que não satisfizesse determinado parâmetro de qualidade ou tivesse custo acima de ¼ se cotejado ao similar estrangeiro.

 

Um dos objetivos havia sido o de estimular a indústria siderúrgica local, com mais da metade da capacidade de operação ociosa. Em meados de fevereiro, o projeto de lei seria aprovado.

 

O tema do biocombustível era considerado pelo Brasil como de bastante significado também, em face do favorecimento concedido aos produtores internos, através da generosa alíquota das tarifas de importação.

 

Naquele período, o mercado estadunidense absorvia cerca de 1/6 do total das exportações do país. Por isso, a preocupação com o fervor protecionista norte-americano.

 

A segunda teria sido a reforma de organismos globais como o Fundo Monetário Internacional. No tocante a ele, Brasília, ao lado de Moscou, Pequim, Nova Déli e Pretória, desejava modificação ampla, não apenas alterações como as derivadas de linhas de crédito flexível, de agrado ao México, por exemplo.

 

Aguardavam-se a redistribuição das cotas entre países e, por conseguinte, a recomposição no preenchimento das funções principais, tradicionalmente reservadas aos integrantes do arco burocrático norte-atlântico.

 

Como visto, nenhuma das duas possibilidades avançou, o que trouxe desânimo ao Planalto.

 

Como compensação, nos primeiros dias após chegar à presidência, Obama havia referendado a permanência de Thomas Shannon na Secretaria de Assuntos do Hemisfério Ocidental, ocupante do cargo desde a saída de Noriega. Sua continuidade agradou o Brasil, conforme apontou Marco Aurélio Garcia, em função da disposição dele de dialogar com os governantes sul-americanos sobre suas aspirações no continente.

 

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Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

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