Estados Unidos e Brasil: rumo a uma pauta comum
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- Virgilio Arraes
- 03/12/2014
Tradicionalmente, o discurso oficial norte-americano recomenda aos governos a adoção do livre-comércio. Herdeiro de certa forma da pregação liberal britânica do século 19, o país esposa esta postura em virtude da primazia industrial diante da maior parte do globo, mesmo dos ‘euro-ocidentais’ e japoneses.
Nos poucos segmentos em que não pode superar as demais sociedades, Washington advoga sem restrição alguma a proteção àqueles, sem incomodar-se com a contradição retórica. Após o advento da crise de 2008, a Casa Branca ampliou as medidas restritivas, através de um projeto de lei, a produtos estrangeiros, especialmente ferro e aço – a iniciativa seria denominada de ‘Buy American’.
Em março de 2009, o Brasil registrou sua insatisfação no tocante à nova lei, em reunião entre as duas chancelarias. De todo modo, a crítica teria alcance limitado, dado que na administração estadunidense duas pastas ocupam-se da política exterior: a de Estado, com o componente político, e a de Comércio Exterior, com o econômico naturalmente.
Naquela altura, o Senado não havia ainda aprovado o nome de Ronald Kirk, substituto de Susan Schwab, que deixara o cargo em janeiro do mesmo ano, quando da posse do presidente Barack Obama. Assim, as negociações ficavam na prática suspensas.
Todavia, poucos dias depois do encontro entre o titular do Ministério das Relações Exteriores, Celso Amorim, e a do Departamento de Estado, Hillary Clinton, Kirk seria ratificado quase de forma unânime, porém, sem significar no curto prazo avanço nos debates.
Na pauta política, interessava a Brasília que Washington abrandasse a má vontade em direção a três governos: com Havana, um resquício injustificável da Guerra Fria, seria necessário rever a Lei da Liberdade de Cuba e Solidariedade Democrática – mais conhecida como Helms-Burton - de março de 1996, responsável por robustecer o longevo embargo, ao situar entre a cruz e a espada as corporações exportadoras que deveriam escolher se comerciariam com Cuba ou com os Estados Unidos.
Com Caracas, em decorrência do mal-aventurado socialismo do século 21, e com La Paz, em função de retaliação na importação de têxteis por causa da expulsão de Philip Goldberg, embaixador estadunidense, em setembro de 2008.
Além do mais, a Bolívia defenestraria ao longo de várias semanas todos os agentes do Departamento de Combate às Drogas, algo inédito em um acordo de cooperação bilateral iniciado na década de 70. A medida foi uma resposta ao cancelamento da certificação do país no tocante ao controle das drogas, ainda que não tivesse perdido o auxílio financeiro.
Washington não vislumbrava a exequibilidade da separação entre o cultivo da coca, o terceiro maior do planeta, e a produção da cocaína. Nesse sentido, os servidores expulsos seriam deslocados para áreas fronteiriças com a Bolívia.
Paralelamente ao encaminhamento de problemas de aliados regionais, o Brasil desejava dos Estados Unidos a elaboração de uma política de desenvolvimento para toda a região. Enfim, mais atenção à economia, menos ao policiamento, por conta da preocupação com o narcotráfico.
Naquele momento, o objetivo do Planalto era a eliminação do imposto de importação de pouco mais de 14 centavos de dólar por litro de etanol da cana de açúcar. De maneira involuntária, a aspiração brasileira ia de encontro à venezuelana, dado que podia opor grandes produtores de combustíveis distintos.
Destarte, os norte-americanos ficavam em situação confortável para barganhar com cada um dos dois, sem deixar de lado as implicações políticas desta movimentação.
Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.