Estados Unidos e Santa Sé: a presença franciscana
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- Virgílio Arraes
- 28/09/2015
Embora seja há várias gerações a maior das denominações cristãs em território norte-americano - por causa do peso da imigração irlandesa, italiana, ibérica, polonesa e de modo mais recente da latino-americana, notadamente da mexicana - o catolicismo nunca desfrutou de prestígio político equivalente ao seu número de fiéis lá. Hoje, estima-se que 1/5 da população identifique-se com ele, a menor percentagem na história recente.
Apenas na década de 1960, o país teve o primeiro presidente católico, John Kennedy, e, nas duas últimas campanhas, um vice, Joe Biden – ambos de ascendência irlandesa. Em 1963, ao visitar João XXIII no Vaticano, recém-entronado, Kennedy cumprimentou-o como se ele fosse mais um dirigente civil, ao rejeitar mesmo o tradicional beijo no anel pontifical.
O comportamento adotado naquela ocasião derivou-se de resquícios da acirrada disputa presidencial, momento em que acusações de papismo haviam sido constantes, ou seja, de eventual subserviência à Santa Sé por parte dele.
Há quase um século, o também democrata Alfred Smith, governador de Nova York por quatro mandatos, tentou chegar à Casa Branca em 1928, após ter perdido a disputa pela indicação de seu partido à presidência da república em 1924.
Malgrado a avaliação de bom governante, em função de uma pauta relativamente progressista com posicionamentos firmes sobre temas sociais, inclusive contra o racismo, Smith sofreu repúdio do sul protestante, de corte batista – o infundado temor de ser ele um servidor do papa, não da população estadunidense.
Em linhas gerais, uma importante justificativa para o distanciamento oficial entre Washington e a Cidade do Vaticano havia sido o fato de que a Casa Branca não se relacionava com países em que chefes de Estado fossem ao mesmo tempo líderes religiosos.
Entretanto, isto nunca havia impedido o relacionamento diplomático privilegiado com a Grã-Bretanha, onde vigora situação similar com a vaticana desde o cisma na primeira metade do século 16, altura em que Henrique VIII adotou o título de Chefe Supremo da Igreja da Inglaterra.
Na segunda metade do século 20, a Guerra Fria uniu perdedores e vencedores da Segunda Guerra Mundial em torno de uma aliança anticomunista. A fim de não se isolar de maneira política, a Santa Sé, com Pio XII, orbitou em torno desse pacto. Mais reticentes, seus sucessores imediatos, João XXIII e Paulo VI, buscaram maior autonomia.
Todavia, João Paulo II aproximou-se de novo do eixo anticomunista, renovado em virtude da formação de um arco neoliberal entre Washington, Londres e Berlim no final da década de 70 e o começo da de 80. O corolário seria o estabelecimento oficial de relações entre Estados Unidos e Vaticano em 1984.
Vinte anos depois, George Bush Jr. concederia a Karol Wojtyla a maior condecoração do país, a Medalha Presidencial da Liberdade, a segunda destinada a um pontífice – a de Angelo Roncalli havia sido póstuma, em dezembro de 1963.
Com isso, assinalou maior proximidade dos republicanos com a Santa Sé, não obstante os democratas, ao longo da história, serem mais identificados com os católicos – o próprio Woodrow Wilson foi o primeiro dirigente estadunidense a avistar-se com um sumo pontífice na Europa.
Se, na vigência do período bipolar, o anticomunismo perfez a familiaridade política, nos dias atuais qual seria a nova motivação para o deslocamento de Francisco, o quarto a pisar o território norte-americano desde outubro de 1965?
De um lado, mantém-se a preocupação da Casa Branca com questões de segurança internacional; de outro, a da Santa Sé com a desigualdade social e com temas comportamentais como os do aborto e casamento entre pessoas do mesmo gênero, por exemplo.
Em comum, a despeito de divergências sobre a intensidade, o entendimento de Cuba com os Estados Unidos, a regularização do programa nuclear do Irã, a apreensão com a progressiva mudança climática e a inquietação com a imigração mediterrânea, transformada em uma crise humanitária de larga escala.
Nesse sentido, com relação aos dois primeiros pontos, há um esforço comum para encerrar-se a pauta da bipolaridade e consolidar-se quiçá uma original para os tempos presentes, na qual os dois últimos teriam muito mais atenção.
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Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.