Mudanças na Constituição atemorizam oposição venezuelana
- Detalhes
- Virgílio Arraes
- 22/11/2007
No dia 10 de novembro último, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o rei de Espanha, Juan Carlos I, tiveram um entrevero verbal na 17ª Cúpula Ibero-Americana de chefes de Estado e de Governo, quando, de modo inadequado, o dirigente venezuelano referiu-se a José María Aznar, ex-primeiro-ministro da Espanha.
Aludiu, desta maneira, ao apoio do governo espanhol, por meio do titular da
embaixada, ao efêmero governante venezuelano, Pedro Carmona, conduzido por um
golpe de Estado em abril de 2002, tendo por desfecho, dois dias depois, o
fracasso.
Enfastiado, o soberano espanhol solicitou a ele que se calasse. Lá, nenhum dos
dois chefes de Estado esteve com a razão. Ainda que por justificativa
protocolar - em decorrência da função de que está à frente -, o primeiro-ministro
José Luis Zapatero manifestou-se de forma mais contida e, por conseguinte, mais
apurada, destacando-se positivamente pela ponderação ali necessária.
Comunicativo, o presidente Chávez costuma impressionar as platéias para as
quais se dirige por meio de floreios verbais marcantes, embora nem sempre
expressos de maneira comedida. Em setembro de 2006, ao discursar no plenário da
Organização das Nações Unidas, o dirigente venezuelano alcunhou o presidente
George Bush de ‘diabo’, já chamado por ele, em março daquele mesmo ano, em uma
aparição televisiva, dentre outros adjetivos, de imoral. Deste modo, não
surpreende mais o estilo de Chávez, principalmente para quem acompanha a sua
trajetória política dos últimos anos.
Na realidade, a desinteligência diplomática serviu para chamar-se mais uma vez
a atenção para a situação política interna, onde Chávez, graças aos programas
sociais governamentais robustos, mantém a força eleitoral para o furor da
oposição.
O comportamento dela variou, em pouco menos de uma década, de flagrante
desrespeito à ordem constitucional, com o já mencionado golpe de abril de 2002
e com o locaute, em dezembro do mesmo ano até o início de fevereiro de 2003,
dos altos funcionários da estatal PDVSA – responsável por uma queda
significativa no produto interno bruto -, ao boicote nas eleições legislativas
em dezembro de 2005.
Desnorteada, a oposição clama à comunidade internacional apoio político para
influenciar o jogo interno de forças, a ser mensurado mais uma vez no início de
dezembro no referendo – autorizado pelo Congresso no primeiro semestre -
relativo à reforma política, econômica e social da Constituição – no total, 69
de 350 artigos podem ser modificados.
Com o intento de atrair a atenção regional ou mesmo mundial, fala-se na
possibilidade de fraude no processo eleitoral ou se classifica o referendo como
a ratificação de um golpe de Estado em andamento.
Contudo, a parte mais preocupante para os opositores é a modificação no tempo
do mandato presidencial – seis para sete anos – com a possibilidade de
candidaturas sem limites. Além do mais, propõem- se redução da idade dos
eleitores: dos atuais 18 para 16 anos – caso do Brasil; e ampliação dos poderes
dos conselhos comunais, os quais, por seu turno, reduziriam o dos municípios e estados
e, por conseguinte, da burocracia.
Críticos afirmam que isto desvalorizaria os partidos políticos oposicionistas e
ligaria os conselhos diretamente ao poder central. Acrescente-se que na pauta
há a possibilidade de redução da jornada diária de trabalho para seis horas e a
eliminação da chamada autonomia do Banco Central.
Quanto ao primeiro aspecto, a França dispõe de sistema próximo, com um mandato
presidencial de cinco anos, e os Estados Unidos, no âmbito estadual, também –
Bill Clinton governou o Arkansas por cinco gestões consecutivas e George Pataki
Nova York por três consecutivas, por exemplo. Até meados do século passado, não
houve nos Estados Unidos limite para os mandatos presidenciais.
Até o início de dezembro, forças políticas extremas no país se digladiarão –
espera-se apenas - nas urnas, a fim de delinear o novo perfil do oitavo
produtor de petróleo do mundo. Contudo, a Venezuela, apesar da retórica do
socialismo do século vinte e um, distancia-se muito ainda do modelo pretendido,
conquanto, de fato, haja a ampliação do Estado na economia,
ao: nacionalizar progressivamente o setor de telecomunicações e o de
produtos eletrônicos e investir mais nas áreas de saúde e de educação – em
2005, Chávez obteve o Prêmio Internacional José Martí, concedido pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
por causa da diminuição do analfabetismo.
Portanto, até o referendo, a efervescência política perdurará.
Virgílio Arraes é professor de Relações Internacionais na UnB.
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