Lula e Obama: enfeixar a pauta e superá-la
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- Virgilio Arraes
- 05/10/2016
Os Estados Unidos recusam-se a atualizar a nomenclatura de seus cargos de primeiro escalão, ao manter o nome de secretaria ou departamento, jamais ministério. De quando em quando, há confusão na correspondência de hierarquia de funções, ao cotejar-se com outras administrações, uma vez que o subsecretário, por exemplo, relacionar-se-ia com o secretário brasileiro.
Em dezembro de 2009, Arturo Valenzuela, recém-nomeado secretário do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, deslocou-se em passos rápidos ao Cone Sul em uma jornada a todos os países da região. Dedicou a eles meros cinco dias. De modo retórico, o pequeno périplo incluía reiterar o valor da democracia e da parceria econômica.
Naquela fase, havia divergência entre a Casa Branca e o Planalto em função do desfecho político de Honduras, onde o retorno ao poder do deposto Manuel Zelaya foi colocado de lado por Washington, e do programa nuclear do Irã, em que Brasília defendia a possibilidade de que ele poderia destinar-se a atividades civis, sem direcionar-se de maneira incisiva, portanto, para fins bélicos.
O desconforto norte-americano desagradou muito os brasileiros. Sob a invocação do protocolo funcional, o Itamaraty informou ao Departamento de Estado que Valenzuela não seria recebido por seu titular, Celso Amorim, mas sim por seu lugar-tenente, Antônio Patriota, e pelo assessor especial da presidência da República, Marco Aurélio Garcia.
A justificativa utilizada para não acolher no primeiro círculo da chancelaria o enviado estadunidense esboroou-se quando se efetivou seu recebimento pelo titular da defesa, Nélson Jobim. O propósito da visita a ele foi o de reforçar o apoio junto ao Brasil da aquisição de jatos por empresa norte-americana, no caso a Boeing. O Planalto cogitava havia anos comprar três dúzias de aeronaves em um período em que a recuperação econômica mundial patinava.
Nos três tópicos levados a cabo entre Valenzuela e seus análogos locais, política e economia entrelaçavam-se de maneira distinta a cada um. Honduras revestia-se de valor simbólico ao Brasil, haja vista o local de abrigo escolhido pelo dirigente defenestrado na terceira semana de setembro daquele ano – um governo não hispânico.
A predileção incomum refletiu a opção do mandatário apeado no tocante à liderança regional à proporção que para o sucessor eleito - ou usurpador para o arco bolivariano – inclinar-se-ia pela estadunidense. Assim, natural o Planalto não acatar de bom grado o resultado da eleição presidencial, enquanto a Casa Branca, sim.
Em comum, a visão de que Zelaya teria direito de rumar para o México de forma oficial, caso desejasse, sem ser submetido a nenhum tipo de constrangimento governamental. No entanto, retirar-se, mesmo de maneira provisória, seria o reconhecimento tácito do novo quadro.
De uma perspectiva política, Irã era considerado chamativo demais a ponto de ser menoscabado por ambos. Brasília aspirava à participação maior de Teerã em assuntos médio-orientais, ao passo que Washington, não, ao mencionar as tentativas anteriores de diálogo nas quais não teria havido bom encaminhamento.
De todo modo, melindrar o Brasil quanto ao tema não era o propósito dos Estados Unidos, por duas razões: a primeira conectava-se com o próprio Irã que tinha na América do Sul a Venezuela como a aliada mais próxima.
A segunda por vincular-se ao terceiro ponto da viagem do diplomata norte-americano: o eventual comércio dos aviões militares, estimado em torno da cifra de dez bilhões de dólares. Por causa dele, é possível relembrar a frase extraída de um discurso de junho de 1928 do presidente Calvin Coolidge, do Partido Republicano: o principal negócio da América são os negócios. Nesse sentido, aborrecer-se com Brasilia não valia a pena!
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Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.