Brasil – Estados Unidos: a divergência em torno do conflito líbio
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- Virgílio Arraes
- 30/08/2017
Ao cabo de sua curta viagem aos Estados Unidos em setembro de 2011, tendo por tarefa principal estrelar a tradicional abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a presidente Dilma Rousseff encontrou-se com Barack Obama, momento em que sugeriu ação conjunta contra os efeitos remanescentes da crise econômica de 2008, desencadeada no final da gestão do republicano George Bush.
Diplomático, o mandatário washingtoniano não se estendeu sobre a proposta, até por falta de pormenorização, porém, se dirigiu à brasileira com o anúncio de ser ele mesmo contrário à manutenção dos generosos subsídios internos, posição de natural agrado do Planalto em face da excessiva dependência do agronegócio. Se fossem eles reduzidos, o déficit comercial entre Brasil e Estados Unidos poderia diminuir.
Na prática, o governo nacional não conseguiu reverter o quadro bilateral negativo durante muitos anos, nem mesmo com o alvorecer de sua própria crise em 2014. A sessão de trabalho entre ambos gerou, além da expectativa de nova visita ao território norte-americano no primeiro semestre de 2012, declarações sem desdobramentos materiais imediatos.
Na política internacional, houve divergência logo depois, malgrado não ser profunda, quanto à sucessão de poder na rica, mas desassistida Líbia. Após quatro décadas à frente de Trípoli, o grupo do ditador Muammar Kadafi foi defenestrado de modo violento na esteira da chamada Primavera Árabe, movimento em prol da substituição dos longevos administradores da região por democracias representativas, próximas das do Ocidente.
Apesar da fartura das reservas petrolíferas no país, Kadafi não soube destiná-la ao adequado desenvolvimento da empobrecida população local, não obstante a retórica progressista e pan-árabe desde o final da década de 60.
Rejeitado pelo Ocidente e mesmo pelos demais países islâmicos da vastidão médio-oriental, o polêmico governante soube, após a eclosão do atentado aéreo de setembro de 2001 nos Estados Unidos por integristas, reverter a ojeriza política e, por conseguinte, aproximar-se dos antigos opositores, ao sustentar o ideário do antiterrorismo e da sintonia com a aparente modernização neoliberal.
Quando do comunicado pelas redes televisivas de sua morte pelos coléricos adversários locais, precedida de ataque aéreo maciço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a seu comboio, o dignatário estadunidense em certa extensão vibrou, ao aludir ao encerramento do duradouro regime tirânico, onde havia arbitrariedades cotidianas à desvalida população - https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-office/2011/10/20/remarks-president-death-muammar-qaddafi
Por sua vez, a dirigente brasileira foi comedida, ao mencionar que não se celebrava a morte de líderes nacionais, sem assumir de forma correta a defesa daquela conturbada administração de quase meio século.
De toda maneira, o ponto de maior proveito na Líbia seria, após a definição do novo governante entre as diversas entidades rivais, a exploração regular dos recursos petrolíferos e a própria reconstrução do sulcado país - http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/dilma-rousseff/entrevistas-presidenta/entrevista-coletiva-concedida-pela-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-antes-da-partida-para-brasilia-luanda-angola
Manifestações presidenciais distintas, interesses também diferentes. Os Estados Unidos eram grande importadores da Líbia, se cotejados com o Brasil. Nos dias atuais, o comércio bilateral não retornou ao grau do período anterior à queda da ditadura. A despeito do revés, isso não desestimula a presença das corporações energéticas norte-americanas lá - http://www.embassyoflibyadc.org/about-libya/libya-us-relations/
Virgílio Arraes
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.