Correio da Cidadania

Estados Unidos e Brasil: a retaliação diplomática em vista da espionagem

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Em setembro de 2013, a presidente Dilma Rousseff anunciou o cancelamento da viagem a Washington, a despeito de ser ela de Estado, ou seja, a de maior consideração diplomática entre governantes – ademais, estes seriam bem próximos em tese porque representariam duas vertentes menos conservadoras: democratas ao norte e trabalhistas ao sul.

Raríssimas são as visitas organizadas pela Casa Branca com status alto, de maneira que tais idas patenteiam distinção momentânea no relacionamento entre países, em especial entre os dois mais importantes do continente.

O motivo da retirada da pauta do deslocamento da primeira mandatária havia sido a acusação fundada de espionagem cotidiana de Washington concernente a uma série de países, dentre os quais o Brasil.

A justificativa para a bisbilhotice sem reservas morais e geográficas de agências especializadas teria sido o combate diuturno ao terrorismo fundamentalista, ponto no qual até o momento não houve felizmente desdobramento no Brasil.    

O teor da espionagem seria relativo a conversas correntes da dirigente com membros de seu ministério – o objetivo foi o acesso irrestrito a informações comerciais. Especulava-se que o segmento de minas e energia seria o de maior interesse no longo prazo.

No curto, incluir-se-iam a futura aquisição de vários caças pela força aérea pátria – hoje, o processo de compra é alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF) – e talvez a destinação da base espacial de Alcântara, situada no Maranhão, para os próprios Estados Unidos.

Por outro lado, as aspirações nacionais eram mais imediatas: a dispensa de vistos para permanência limitada a algumas semanas para cidadãos brasileiros – na época, o programa Global Entry – ávidos consumidores da cultura norte-americana e de seus produtos também, haja vista, por exemplo, o fluxo em Miami e arredores. Até hoje, apenas Argentina e Colômbia na América do Sul compõem a lista de acesso desburocratizado – https://www.dhs.gov/trusted-traveler-programs

O ingresso no Conselho de Segurança onusiano como membro definitivo é sem dúvida uma quimera, mas como peça permanente de reclamo do governo federal seria importante, independentemente do dirigente à frente do Planalto. Nenhum dos dois desejos de Brasília teria sido contemplado por Washington caso a viagem tivesse sido mantida para outubro.      

Apesar de adiada a visita protocolar da presidente à capital norte-americana, ela, no entanto, iria a Nova York naquele mesmo mês, com o propósito de participar da tradicional abertura da sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (AG/ONU). Nela, pretendia tratar da questão da postura inapropriada dos Estados Unidos no tocante a seus aliados.

No ano de Copa do Mundo (2014), pode-se afirmar que a mandatária havia sido pega no contrapé com a notícia do monitoramento heterodoxo dos norte-americanos sobre a rotina político-econômica do círculo ministerial nacional. A curiosidade inapropriada da burocracia estadunidense estender-se-ia também ao setor privado.

Diante da situação incomum, a da revelação à opinião pública da fraqueza do país com a finalidade de resguardar informes secretos, através da ausência de medidas mais elaboradas como investimentos na atualização frequente da criptografia, buscou ela reagir de modo célere, com vistas a proteger sua imagem de presidente firme ou ainda valente.

O adiamento da visita aos Estados Unidos, portanto, teria simbolizado a galhardia da dirigente à sociedade brasileira. Contudo, o inesperado gesto da titular do Planalto não teve impacto político perante a Casa Branca, aturdida com outros eventos como o do andamento da guerra civil da Síria, iniciada em 2011.

Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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