Estados Unidos e Brasil: tentativa de superação da espionagem
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- Virgílio Arraes
- 27/09/2018
2018 representa a fragmentação partidária na eleição presidencial, retrato, mesmo momentâneo, da decepção do eleitorado com as agremiações tradicionais depois de assistir a trinta anos de democracia formal, sem que tivesse, desta maneira, havido mudanças sociais de fato, apenas, na melhor das hipóteses, melhoras superficiais.
Em contrapartida, 2014 manifestou a concentração dos partidos, quando a trinca principal de siglas nacionais já se havia dividido no primeiro turno: de um lado, o trabalhismo cansado, escorado de modo temporário pelo peemedebismo guenzo, distanciado do vigor da época da ditadura militar; de outro lado, a socialdemocracia fatigada. Tal qual o presente, em segundo plano figuravam os interesses da sociedade.
No penúltimo ano de gestão, o Planalto havia exposto seu desagrado público por conta do acompanhamento sem a devida autorização multinacional das comunicações governamentais pela burocracia da Casa Branca.
Malgrado a gravidade dos fatos denunciados, Washington não se preocupou em desculpar-se com Brasília. Afinal, sua oposição ao terrorismo – em especial, fundamentalista – continuaria e não poderia ser seu embate atrapalhado por causa dos considerados efeitos ou danos colaterais, mesmo sendo suas ações concentradas do ponto de vista geográfico – Oriente Médio e cercanias.
No entanto, com a chegada de 2014, a assessoria de segurança nacional da Casa Branca contatou a chancelaria nacional com a finalidade de explicar possíveis alterações no programa norte-americano de supervisão planetária.
Apesar da aparente atenção a Brasília, a medida de Washington consolidaria a perspectiva de que o Brasil se encontrava em segundo plano, haja vista a iniciativa não ter partido da própria presidência da república conforme se aguardava.
De forma pública, o país veiculou a ideia de que o encontro ministerial seria tentativa de nova aproximação diplomática dos Estados Unidos. Independentemente do resultado da sessão de trabalho, o relacionamento desigual persistiria.
Desta sorte, ao invés de insistir no tema da bisbilhotice, assunto no qual a prática futura pouco se alteraria, a despeito de promessas sem muita convicção, o Planalto deveria ter-se centrado em questões econômicas, ao levar em conta o cenário interno de crise já bem perceptível à considerável parcela da população.
Em não sendo assim, a Casa Branca poderia até pautar pontos polêmicos de teor político como a frágil situação da Venezuela, por exemplo. Diante da intensidade dos apuros de Miraflores, Washington aproveitava-se disso e pressionava Caracas sobre o tratamento dispendido aos opositores mais incisivos do bolivarianismo.
Brasília acautelava-se porque receava prejudicar-se caso também intensificasse as críticas, ainda que sob rubrica do Mercosul. Se pressionasse o enfraquecido vizinho, ele poderia atrasar ou até suspender de propósito pagamentos a empresas pátrias. Destarte, o Brasil buscava manter-se equidistante da rivalidade entre os dois dirigentes – Barack Obama e Nicolas Maduro.
Portanto, 2014 significou desafio de monta à administração trabalhista: regularizar a relação comercial com os Estados Unidos, reiterar a liderança política no Mercosul e contornar o quadro crítico da Venezuela, de forma que se preservassem os interesses nacionais.
Tudo isto com o descortinar crescente de uma crise interna, cujo desfecho ocorreria no primeiro semestre de 2016 sob o envoltório da célere destituição da presidente Dilma Rousseff.
Virgílio Arraes
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.