Estados Unidos-Brasil: renovar a pauta caribenha
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- Virgílio Arraes
- 26/02/2019
A Guerra Fria acabou na transição dos anos 80 para os 90, embora alguns enxerguem uma revivescência da tensão amero-russa, em especial no Oriente Médio, com a Síria, na Ucrânia e na Venezuela. Revivida ou não, sobram anacronismos da disputa original: um deles se refere a Cuba, governada há décadas pela família Castro sob égide comunista.
Símbolo de resistência à indevida e costumeira ascendência norte-americana no cotidiano político da comunidade caribenha e adjacências, o país não soube, no entanto, implementar um regime democrático de fato para a população e, com o passar do tempo, envelheceu politicamente se considerada a perspectiva progressista.
Malgrado a extinção da disputa bipolar, nem Havana, nem Washington modificaram sua posição, ao ter como base do confronto o embargo econômico estabelecido pela Casa Branca desde fevereiro de 1962 – desde então, a legislação estadunidense relativa ao bloqueio tem sofrido acréscimos.
Ao cabo de 2014, uma pequena, porém significativa, alteração ocorreu por parte dos Estados Unidos, com intermédio da Santa Sé, ao abrandar o isolamento a Cuba com a proposta de restabelecer o convívio diplomático e, deste modo, permitir medidas concernentes ao intercâmbio religioso, familiar, científico, esportivo e mesmo administrativo – em março daquele ano, o dignitário americano havia estado no Vaticano, oportunidade em que se estima ter havido a conversa sobre a modificação do relacionamento de Havana com Washington.
O afrouxamento das regras punitivas havia composto o ideário da campanha do candidato democrata em 2009 – yes, we can! Contudo, a pressão da comunidade amero-cubana, bastante importante na Flórida em termos populacionais e econômicos, interrompeu o desejo de tornar ao século 21 a relação com a simbólica ilha.
Contudo, o auxílio humanitário não teria necessidade de autorizações singulares por parte do Departamento de Estado e a remessa trimestral de dólares para Cuba seria aumentada. A aproximação veio em bom momento para o país, porque a parceira Venezuela, através da petrodiplomacia, já não escondia os sinais de deterioração financeira.
Na política exterior, localizava-se ponto de interesse grande de Havana: sua revogação como protetor/defensor do terrorismo, chancela feita no primeiro período de Ronald Reagan, do Partido Republicano – a supressão ocorreria em maio de 2015, a despeito do peso no Congresso da oposição - https://www.state.gov/j/ct/rls/crt/2015/257519.htm
O enfraquecimento das restrições norte-americanas havia contado com o apoio do governo brasileiro; na época, Dilma Rousseff recebeu a notícia em meio à reunião de cúpula do Mercosul, realizada na Argentina. O Itamaraty emitiria nota por meio da qual registrava sua ‘satisfação’ com o acontecimento, ao encerrar um ‘resquício da Guerra Fria” e colaborar para “(...) a consolidação da paz, da democracia e da prosperidade em nossa região” - http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/component/content/article?id=6215:address-by-the-minister-of-foreign-affairs-before-the-xlix-special-general-assembly-of-the-organization-of-american-states-washington-d-c-march-18-2015
A questão a advir seria em que extensão a retomada de laços entre o governo cubano e o americano afetaria o brasileiro, por ser considerado ao lado do venezuelano e eventualmente do mexicano parceiro importante: seria o país posto em segundo plano no tocante à economia nos próximos anos e qual a postura a adotar do Planalto diante da oposição cubana ao regime local?
Virgílio Arraes
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.