Chile: êxito ou malogro do neoliberalismo?
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- Virgílio Arraes
- 06/02/2008
O ano de 2007 propiciou, em seu final, uma notícia desanimadora para o continente sul-americano: a crise do setor imobiliário nos Estados Unidos acarretará menor crédito para os seus consumidores e, por conseguinte, afetará o crescimento da economia global. Em 2008, estima-se que o país crescerá um pouco acima de 2% em pleno ano eleitoral.
Portanto, é possível que o preço das commodities não se eleve, o que prejudicaria o desempenho do setor agroexportador na América Latina. Além do mais, países produtores de petróleo ou de gás, como Venezuela e Bolívia, podem sofrer queda no valor de suas exportações, em função do arrefecimento comercial. Mais uma vez, o destino econômico da região vincula-se estreitamente ao dos Estados Unidos
Se o chamado modelo nacional-desenvolvimentista fracassou até a década de 80 na industrialização do sul das Américas – o Brasil foi uma exceção relativa –, o seu sucessor, o liberal-desenvolvimentista, nem sequer se esforçou para tal, de sorte que o território sul-americano enfronha-se mais uma vez na especialização de produtos primários.
Já é lugar-comum citar o malefício que a implementação do neoliberalismo ocasionou na região no último quarto de século. Como defesa, os partidários da doutrina evocam o Chile, cujo impulso ao crescimento teria ocorrido durante a ditadura do General Augusto Pinochet - falecido em 2006 aos 91 anos – no fim da primeira metade dos anos 70 e com cujos frutos pode atualmente contar a sociedade chilena. Assim, o país já teria feito a sua travessia no deserto, ao superar as eventuais desventuras políticas – o socialismo e o autoritarismo – e econômicas – o período de realização das reformas de desregulamentação.
Na prática, o reformismo afetou a flexibilização dos direitos trabalhistas e desencadeou a ampla privatização de setores estratégicos como os de saúde, eletricidade, água, telefone e transportes, dentre outros. Não obstante a desenvoltura do governo autoritário na execução da alteração do perfil socioeconômico chileno, os índices sociais pioraram.
Curiosamente, houve dois períodos distintos do ponto de vista formal no país, ainda que iguais em termos temporais: 1973 a 1990, com dois marcos: a elaboração de uma nova constituição - legitimadora da ditadura - em vigor desde o início de 1981, após a aprovação em um plebiscito no ano anterior; e o referendo de 1988, em que os eleitores deviam ratificar ou não a continuidade da gestão Pinochet até 1997 – o mandato presidencial havia sido estabelecido com a duração de oito anos. A opção pelo Não obteve 56% dos votos. Relembre-se que o presidente Salvador Allende, ao ser deposto pelo golpe militar em setembro de 1973, faleceu no transcurso da ação ilegal.
Como conseqüência da vitória do Não, Pinochet permaneceu por mais um ano à frente do poder. No pleito presidencial de 1989, a oposição, materializada no Concerto de Partidos pela Democracia, elegeria Patrício Aylwin, democrata-cristão, com 55% dos votos – o candidato do pinochetismo foi Hernán Büchi, oriundo do Ministério da Fazenda, para onde havia ido em 1985. Registre-se que o próprio Partido Democrata-Cristão, integrante da aliança, havia apoiado a ruptura institucional nos anos 70.
Desde então, a coligação, nominalmente de esquerda, mantém-se no poder. No entanto, a presidente Michelle Bachelet - ela mesma filha de um oficial-general da Aeronáutica preso, torturado e morto durante a ditadura - continua com o modelo, sem efetivar, por conseguinte, reforma estrutural alguma, mas tão-somente políticas sociais compensatórias, de sorte que o processo de transição econômica se alonga indefinidamente.
A partir da segunda metade da década de 90, o país, sob a gestão de Eduardo Frei, vem implementando em sua diplomacia comercial a política de subscrição de uma série global de tratados de livre-câmbio – o objetivo inicial foi a aproximação maior com os países do Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta).
Seguiram-se, assim, tratados com o Canadá (1996), México (1998) e, finalmente, Estados Unidos, em 2003, durante o termo de Ricardo Lagos - a efetivação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) teria sido um dos principais pilares de sua política externa, dado que, em 1999, o Chile já havia assinado acordo similar com cinco países da América Central.
Observou-se, pois, um distanciamento com relação ao Mercado Comum do Sul (Mercosul), mesmo tendo estado dois de seus países-membros – Argentina e Brasil - embalados por um crescimento inicial – de efêmera duração – em face das reformas de abertura desmedida – é possível asseverar que as diretrizes do bloco sulino, mesmo em segundo plano naquela época, esbarravam com as da Alca.
O caráter eventualmente renovador e, por extensão, modernizador do neoliberalismo à chilena não sofisticou o perfil do comércio exterior, nem ocasionou a afluência da sociedade - ao longo de mais de três décadas de aplicação de tal doutrina, o cobre ainda é o principal produto da balança comercial, ao constituir cerca de 1/3 do total das exportações. Desta maneira, o país apenas confirma, por intermédio de outra vestimenta, os mesmos males socioeconômicos da região, em vigor há muitas gerações.
Virgílio Arraes é professor de Relações Internacionais da UnB.
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