Estados Unidos: ano novo, mentalidade antiga
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- Virgílio Arraes
- 10/01/2020
2020 será momento de eleição presidencial em solo norte-americano. Os dois partidos principais não dispõem de nomes até agora renovadores, modelados, portanto, na fase pós-bipolar; conforma-se o povo com os consagrados nas urnas em outros pleitos. São candidatos plasmados ainda no período da Guerra Fria.
Do lado republicano, a não ser que avance de modo célere o processo de destituição do atual dirigente no Capitólio, o indicado será Donald Trump, governante controvertido pela tagarelice e arrogância, porém bem amparado na economia por baixo índice de desemprego, um dos menores em meio século de aferição.
Da base democrata, três postulantes: o vice-presidente de Barack Obama (2009-2016), Joe Biden, o terceiro católico da agremiação a aspirar à Casa Branca com chances de fato; Bernie Sanders, próximo da visão socialdemocrata atlântica, e Elisabeth Warren, professora universitária cujo ingresso no cenário nacional é o mais recente entre todos.
Por coincidência, os quatro são nascidos na década de quarenta – entre 1941 e 1949. De maneira distinta, beneficiaram-se na juventude da expansão econômica interna do país, a de consolidação da maior sociedade de consumo da época;
Todavia, eles presenciariam o desgaste político no plano internacional dos Estados Unidos na viragem dos anos sessenta para os setenta, devido à longa continuidade da Guerra do Vietnã, da repercussão da legislação racista no sul, revogada graças ao movimento dos direitos civis, e dos reajustes expressivos e sucessivos do petróleo por aliados no Oriente Médio.
Todos os acontecimentos teriam impacto negativo sobre o cotidiano da população local – afinal, seriam travas da inexorável melhora do bem-estar. Problemas do dia-a-dia de outros países como desemprego e inflação se incorporariam à rotina. Somente no decênio seguinte, seriam minorados, porém sem redução da desigualdade social.
Em tempo eleitoral contemporâneo, a política exterior será tópico de críticas acerbas da oposição, haja vista o infrutífero papagueado dos republicanos no tocante ao belicismo atômico da Coreia do Norte, ao comercialismo desenfreado da China e à reticência britânica de integrar ou não a União Europeia.
O Irã e a Turquia não se impressionaram muito com a insatisfação da gestão Trump em suas próprias movimentações regionais, a ponto de Teerã ser suspeita de patrocinar ou instigar a repulsa da população iraquiana com a embaixada norte-americana em Bagdá – ela é a maior missão diplomática estadunidense, ao ter cerca de cinco mil servidores. A reação do Pentágono à investida à representação em Bagdá foi tardia, com efeitos incertos no relacionamento entre Teerã e Washington.
Quanto à Rússia, a possibilidade de se alardear a influência indevida do governo Putin na disputa presidencial é alta, haja vista a repercussão passada nos meios de comunicação, embora pouco esclarecida a forma de como teria havido a intromissão ilegal, mesmo indireta, de Moscou na contenda entre Trump e Clinton.
Concernente à América do Sul, a retórica é juvenil, porque evoca posições da fase da Guerra Fria, em que a ausência de alinhamento automático com a Casa Branca, em função do nacionalismo, por exemplo, era interpretada pelo Departamento de Estado como filocomunismo. Malgrado a pouca atenção à região, à exceção da decaída Venezuela, nenhum outro país do continente deve opor-se às diretrizes de Washington, apenas calibrá-las.
Deste modo, 2020 não traz consigo expectativa de alterações significativas para os Estados Unidos, a não ser no instável Oriente Médio onde a insuficiência de democracia, a existência de fontes energéticas abundantes e o fundamentalismo de alguns segmentos minoritários mesclados proporcionam sobressaltos à sociedade internacional.
Virgílio Arraes
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.