Estados Unidos e Rússia: encontrar o ponto de equilíbrio na Ucrânia
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- Virgílio Arraes
- 16/02/2022
Foto: Fotografia da CIA do míssil núclear "SS-4". Outubro/novembro de 1962. Reprodução Wikipedia.
Em plena Guerra Fria, há quase sessenta anos (outubro de 1962), Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS) chegaram a um grau de tensão assombroso em decorrência do destino da soberania de um pequeno país do Caribe: Cuba, recém-convertida ao comunismo, após longo período de ditadura do coronel Fulgêncio Batista.
O motivo maior da discórdia havia sido a decisão cubana de abrigar misseis nucleares soviéticos, ápice do processo de desentendimento entre Washington e Havana desde a assunção ao poder do grupo de Fidel Castro em janeiro de 1959.
Contrária às reformas do novo governo, por afetar vastos interesses de companhias norteamericanas, a Casa Branca patrocinou até a invasão da ilha em abril de 1961, malograda devido à resistência inesperada da população. Nesse entretempo, Castro havia-se aproximado de Khrushchov em 1960 através de acordo mercantil pelo qual garantiria o fornecimento contínuo de açúcar, seu principal item de exportação.
Aquele ano, último do quatriênio presidencial estadunidense, seria pesaroso à administração de Eisenhower pela deterioração do relacionamento comercial e, portanto, político entre os dois países americanos, ao incluir um embargo (el bloqueo), em vigor até os dias correntes, malgrado o desaparecimento definitivo da União Soviética no início da década de noventa e, por conseguinte, da perda do seu aliado poderoso.
Em outubro de 1962, jatos norteamericanos – os famosos Lockheed U-2 - registraram em solo cubano a implementação de plataformas viabilizadoras de lançamento de misseis nucleares a pouco mais de cento e cinquenta quilômetros da Flórida. De maneira paralela, navios soviéticos deslocavam-se com os equipamentos necessários para o funcionamento da recém-montada instalação castrense.
De imediato, Washington dirigir-se-ia à Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Organização das Nações Unidas (ONU), elevaria o padrão de alerta da base naval da baía de Guantánamo e traçaria uma linha imaginária no Atlântico Sul como limite à ocasional passagem da frota de Moscou. Diante do impasse entre as duas superpotências, uma delas teria de recuar; no caso, seria a União Soviética cuja fronteira não estava à margem de ameaça iminente.
Atualmente, encontra-se a Rússia sob intimidação dos Estados Unidos, ao avalizar o eventual ingresso da Ucrânia nos quadros da OTAN. Se na década de sessenta Moscou havia pressionado Washington; hoje, inverte-se a situação.
Naquela época, a Casa Branca não vitoriou o êxito, apesar do período das eleições do meio do mandato. Celebrou o sucesso perante seu maior adversário, contudo sem desmoralizá-lo, de sorte que o rival pudesse apresentar a sua população triunfo também, mesmo mais modesto.
Assim, o Kremlin eliminaria sua estação de lançamento de misseis em território cubano em troca da retirada equivalente de seu oponente de parte de seus armamentos em solo turco; outrossim, os norte-americanos renunciariam de modo tácito a favorecer nova investida contra a ilha – posicionamento em vigor até o momento.
É possível aguardar mutatis mutandis uma revivescência disso nas próximas semanas: o retraimento dos Estados Unidos concernente ao desejo de expansão da OTAN no leste da Europa; como consequência, ocorreria o remanejamento das tropas da Rússia abeiradas na fronteira da Ucrânia, a qual, por sua vez, seria respeitada em sua soberania, a despeito das aspirações de secessão de comunidades russófilas em duas localidades do país.
Virgílio Arraes
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.