Correio da Cidadania

Estados Unidos e Rússia: sem vencedor no cabo de guerra ucraniano

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Foto: Tropas russas na Crimeia. Autor: Anton Holoborodko (Антон Голобородько) – Commons Wikimedia: link para a licença creative commons.

Durante a Guerra Fria, a Ásia tornou-se o proscênio principal da exasperada disputa ideológica entre Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS) com seus respectivos aliados. No Oriente Médio, ocorreu o breve combate no Egito – canal de Suez - nos anos cinquenta ao passo que no sudeste do continente ocorreu a duradoura confrontação no Vietnã na década de setenta.   

Conquanto prevista a unificação vietnamita nos acordos de Genebra, cujas negociações haviam sido realizadas entre abril e julho de 1954, a partir de 1956, a divisão do país se consolidaria, via paralelo 17, no dia a dia entre uma área comunista ao norte e outra capitalista ao sul. Constantes tentativas mútuas de desestabilização ocorreriam ao longo do tempo, sem a inclinação definitiva do pêndulo a um dos lados.

No entanto, um incidente em agosto de 1964 no golfo de Tonquim (mar do Sul da China) acentuou a tensão do quadro local, ao descarrilar as duas sociedades para uma extenuante guerra, já não escaramuças cotidianas.

O contratorpedeiro Maddox, da armada estadunidense, teria sido atacado por torpedeiros norte-vietnamitas em águas internacionais em dois dias por duas vezes, uma delas hoje considerada inexistente – a justificativa da investida irreal fundamentou-se na interpretação equivocada dos sinais captados pelos radares devido ao mau tempo.

De toda forma, o assalto repercutiria de modo amplo na opinião pública norte-americana – a eleição presidencial aconteceria em poucas semanas com Lyndon Johnson, democrata, candidatando-se à novo mandato.

Incontinenti, a Casa Branca solicitou ao Congresso autorização para a manutenção da ordem por lá – ‘paz e segurança’ - materializado em bombardeios pelos afamados B-52 no Vietnã do Norte, não contra a marinha deste país.

A datar disso, a intensificação da ação castrense estender-se-ia por um decênio com resultados lastimáveis para a população da região. Enfim, a utilização de um acontecimento imaginário contribuiu para desencadear anos de guerra por uma superpotência em território bem distante de suas fronteiras e, destarte, sem ameaça a sua integridade.

Guardadas as devidas proporções, meios de comunicação nos Estados Unidos, com o auxílio de informes da Casa Branca, veiculam notícias relativas à eventual iniciativa da Rússia de ampliar a tensão com a Ucrânia, ao movimentar tropas na fronteira comum, por exemplo, ou até mesmo de anunciar a decisão do Kremlin de invadir o país, como no dia 11 último – conforme divulgado em rede social pela PBS, renomada estação de radiodifusão pública.

De outra maneira, Washington acusa Moscou de valer-se de expediente similar, ao aludir, à guisa de referência, à possibilidade de atentados às minorias russas nas duas áreas secessionistas da Ucrânia. Embora relatos como os mencionados possam ser desmentidos, ainda que, às vezes, sem o alcance adequado e sem a velocidade apropriada, a percepção de inquietude persiste nas comunidades envolvidas.

Informações de tal jaez compõem a disputa psicológica, ao influenciar de modo negativo o moral das sociedades relacionadas e atrair para si a desaprovação da maioria do sistema internacional. No caso da Rússia, já marcada por governo de feitio autoritário, a dificuldade de desacreditá-la é menor.

No cabo de guerra contemporâneo entre a Casa Branca e o Kremlin, nenhum dos dois atravessará com altivez a linha central do outro, a despeito da duração do confronto. Sem interessada mediação multilateral (Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas) ou ao menos regional (União Europeia), ambos irão ao chão. 

Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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