Correio da Cidadania

Estados Unidos e Brasil: ajuda humanitária insuficiente à Ucrânia

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Ao cabo de 1914, a maior parte da Europa estava em conflito, evento de proporção análoga ao do período napoleônico, cerca de um século antes. Os Estados Unidos não haviam ainda ingressado no confronto, embora já fossem afetados por ele, por causa da necessidade iminente de repatriar milhares de cidadãos esparsos no continente.

Enquanto o retorno ao país natal não pudesse ocorrer, as representações diplomáticas deveriam em tese providenciar abrigo, alimentação, vestimentas de inverno, remédios etc a muitos dos conterrâneos – imagine-se a execução da logística em condições precárias e projetem-se, pois, as dificuldades para o implemento do auxílio em larga escala em pouco tempo.

A despeito da soma de adversidades, os norte-americanos lograram resultado satisfatório em garantir de maneira segura a volta dos concidadãos a seus lares – a travessia incluía a possibilidade de ataques das armadas inimigas da Grã-Bretanha como a da Alemanha.

O sucesso das operações de deslocamento atraiu a atenção de populações atacadas pelos germânicos como a belga, objeto da consideração dos estadunidenses, ao asseverar àquela sociedade a assistência de modo emergencial.

Nesse sentido, voluntários constituiriam a Comissão de Auxílio na Bélgica, encabeçada por Herbert Hoover, geólogo de formação, entre outros motivos, pelo êxito de sua atuação em Londres, conquanto não tivesse sido a primeira experiência de resgaste, a qual ocorrera durante a Revolta dos Boxers na virada do século vinte na China.

A atividade na I Guerra Mundial seria considerada uma das maiores no tocante à questão humanitária, não obstante os problemas de implementação e serviria de exemplo para limitar os efeitos negativos de catástrofes similares no correr de décadas, já com a supervisão de organismos internacionais.

Com a entrada de Washington no combate, o governo o encarregaria de outras responsabilidades, as quais se encerrariam apenas em 1919, quando Hoover enfim retornaria a seu país, com o propósito de atuar de novo na mineração, porém logo a política iria absorvê-lo – seria presidente da República entre 1929 e 1933.

Diante da corrente tragédia militar no leste europeu, onde a escalada deve intensificar-se, à proporção que falham as tratativas diplomáticas bilaterais, avizinha-se voz em grita a necessidade de acudir os refugiados - estimados em mais de um milhão – abrigados de forma provisória, em sua maioria, na Polônia, Moldávia, Hungria, Belarus e mesmo Rússia.

O recurso financeiro multilateral destinado de maneira imediata a eles é modesto: alguns milhões de dólares. A contribuição norte-americana é superior, posto que módica. As duas fontes somadas até alguns dias não se aproximavam de cem milhões de dólares, malgrado promessas de socorro ultrapassarem a casa do bilhão de dólares.

Há a ação de organizações não governamentais como a Cruz Vermelha, as quais têm também se dedicado a minorar as consequências de crise tão séria.  Espera-se dado o porte material de Washington que o auxílio se materialize com maior brevidade possível à população ucraniana e aos estrangeiros lá residentes.  

O Planalto esteve hesitante no início a se situar contrário à invasão; todavia, a questão ao ser levada ao Conselho de Segurança (um dos onze votos em 25 de fevereiro) e à Assembleia Geral (um dos 141 em dois de março) das Nações Unidas teria a condenação do Brasil concernente à iniciativa bélica do Kremlin – a perspectiva de isolamento global do país deve ter colaborado para esta postura.

Dias depois de começada a confrontação russo-ucraniana, Brasília finalmente ofereceria o visto temporário de acolhida humanitária aos deslocados – em breve, será possível verificar se a medida se concretizará.  

Lembre-se de que o comportamento titubeante da diplomacia nacional perante a Rússia não é inédito: em 2014, quando da anexação da Crimeia por Moscou, a despeito das justificativas, o governo havia optado por omitir-se sobre o tema da incorporação territorial.

Apesar de não compor o Conselho de Segurança onusiano naquela ocasião, a votação desfavorável à Rússia seria maior – treze dos quinze votos totais – ao passo que na Assembleia Geral cem votos lhe seriam antagônicos – o Brasil seria uma das cinquenta e oito nações a abster-se.

Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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