Correio da Cidadania

Brasil: a despeito da lamentável ocorrência, ausência de providências

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Foto: Passeata dos Cem mil afronta a ditadura – Memorial da Democracia.

As ciências humanas valem-se de quando em quando do recurso de utilizar termos da física: revolução, oriundo da astronomia, talvez seja o mais afamado deles na caracterização de ruptura política.

A 14 de julho de 1789, consta que ao ser informado o rei Luís XVI da tomada da Bastilha, ocasião em que a procura de armas e munição por populares no antigo presídio havia desembocado em tiroteio com dezenas de mortes e intensificado a rejeição a seu reinado, o soberano teria de modo hipotético afirmado ao duque de Liancourt, se aquele alvoroço era uma rebelião, ao que ele lhe teria respondido não: era revolução!

Mais geral que ela, extrai-se também da astronomia a palavra efeméride, utilizada para recordação de fatos relevantes como o referido a seguir: entre o final de março e o início de abril de todo ano no Brasil, evoca-se a lembrança do golpe de Estado de 1964, chamado sob todas as reservas de revolução ou ainda de contrarrevolução.

Duas polêmicas cercam a irrupção da movimentação militar de rompimento institucional do governo de João Goulart, eleito vice-presidente ao lado de Jânio Quadros em outubro de 1960: a denominação em si da quartelada e a data do acontecimento.

Quanto à primeira, a não ser para poucos, não há dúvida de ter sido golpe de Estado, tão comum infelizmente na América do Sul naquela época, em decorrência, entre outros motivos, da acirrada disputa de poder entre Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS), representantes do capitalismo e do comunismo.

Na administração do antecessor, Juscelino Kubitschek, houve tentativas no país por parte de oficiais da Aeronáutica, porém infrutíferas, graças a sua habilidade política - ele mesmo era tenente-coronel da polícia militar de Minas Gerais (MG).  

No tocante à segunda, menciona-se 31 de março como marco inicial da deposição do presidente João Goulart. Todavia, o momento da repercussão da sedição ocorrida em Juiz de Fora (MG) seria o 1º de abril, considerado em terras norte-americanas o dia dos tolos, em solo nacional o da mentira e em ambiente insubordinado o começo da lua minguante, consoante relato de um dos dois generais pioneiros da revolta castrense, evento impeditivo, portanto, para o deslocamento das tropas até o Rio de Janeiro (RJ); por isso, a antecipação para a noite de 30 de março, ocasião da decisão da deposição daquela gestão.

Ao tomar conhecimento da sublevação em 31 de março, o ministério da Guerra iria demitir os dois comandantes sublevados, mas sem efeito prático, de forma que a partir de então o Brasil assistiria ao transcorrer de vinte e um anos de autoritarismo.

A despeito do período a ser estimado para a marcha da trama em 1964, o da decisão ou o da eclosão, o fato é que depois de março de 1985 o Brasil teria dois mandatos oficialmente socialdemocratas (1995-2002) e quatro trabalhistas (2003-2016) sem que houvesse punição alguma aos dirigentes da ditadura, denominados até hoje de presidentes, ou aos principais envolvidos.

Nem sequer medida simbólica houve; a título de exemplo, um deles homenageia importante ponte na antiga capital, Rio de Janeiro, e na atual, Brasília. Outros países sul-americanos optaram por postura diferente concernente ao seu triste passado de exceção.

 

 

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Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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