Da democracia neoliberal explícita à mitigada – o ciclo eleitoral
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- Virgílio Arraes
- 14/06/2022
Foto: Jimmy Carter em 1978, durante seu mandato como presidente dos Estados Unidos. Leffler, Warren K., photographer / Biblioteca do Congresso dos EUA.
1979 é momento de apreensão política e econômica ao Ocidente em decorrência de três sérios desdobramentos em poucos meses no continente asiático: em fevereiro, a Revolução Iraniana, de cariz religioso; a datar de abril, o segundo Choque do Petróleo, seis anos após o Primeiro, encabeçada por membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP); e, em dezembro, a invasão do Afeganistão pela União Soviética (URSS).
Por outro lado, a principal representação do poderio do arco norte-atlântico, Estados Unidos (EUA) e Grã-Bretanha (GB), tinha gestões por suposto consideradas progressistas – democratas e trabalhistas - envoltas em dificuldades, como inflação alta, a ponto de custar a seus titulares a substituição: o presidente Jimmy Carter seria derrotado por Ronald Reagan em novembro de 1980, ao passo que o primeiro-ministro James Callaghan, por Margaret Thatcher pouco antes: maio de 1979.
Aos dois, somar-se-ia na Alemanha, em outubro de 1982, Helmut Kohl, democrata-cristão, de matiz conservador. Constituir-se-ia, portanto, a trinca destinada a superar em breve o denominado socialismo real, já fracamente arvorado no leste da Europa, por ramificação extrema do capitalismo: o neoliberalismo, progressivo substituto da social-democracia.
Desde então, apesar dos variados malogros nas últimas três décadas da doutrina triunfante da Guerra Fria, manifestos ora em crises econômicas de intensidade distinta, como a de alcance global em 2008, ora em conflitos políticos, cunhados em confrontações, como as do Golfo em 1991 e 2003 ou a do Afeganistão em 2001, o ideário da democracia neoliberal permanece sem refutações viáveis, malgrado a retórica contrária no planeta.
Na América Latina, houve movimentos sociais contestadores a tais diretrizes, embora diferenciados na duração e nos objetivos propostos: neozapatistas no México, neopiqueteiros na Argentina, masistas na Bolívia, bolivarianos na Venezuela ou neotrabalhistas no Brasil.
Nem todas as organizações mantiveram o norte acalentado em sua constituição de resistência à ordem social desigual, em especial ao chegar à presidência da República, período de subscrição de versão mitigada ou envergonhada do neoliberalismo.
Uma forma por que a adoção, mesmo sem admissão de dirigentes latino-americanos no Executivo, dos princípios político-econômicos dos vitoriosos da disputa bipolar se manifesta e assim se justifica ao eleitorado no cotidiano é através de eufemismos. Por exemplo, partidos de faixa bastante conservadora do Brasil têm sido relacionados nos meios de comunicação tradicionais com a atenuante expressão centro ou centro-direita.
Desta maneira, justificam-se, sob restrições mínimas, a simpatizantes do progressismo alianças eleitorais, noutro tempo inimagináveis, de agremiações outrora sobre a mão esquerda com contrapartes reacionárias ou anacrônicas se vislumbrada a necessária alteração da perspectiva socioeconômica da maioria da população.
Ao adotar o marco bienal ou no máximo quadrienal como primeira referência política, a autoproclamada esquerda se limita a alianças circunstanciais com a costumeira direita, direcionadas a compor apenas o poder Executivo e o Legislativo e, deste modo, a renunciar a transformações efetivas na sociedade, de sorte que ela mesma termine por fundir-se com seus antigos opositores ideológicos.
Da fusão, ainda que se mantenha o invólucro das siglas, brotará a geringonça, cujo teor e, por conseguinte, andar dificilmente se alinhará com as aspirações do povo; no máximo, satisfará necessidades imediatas e mínimas até o próximo pleito, sem aborrecer o mercado.
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Virgílio Arraes
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.