Correio da Cidadania

Estados Unidos: Donald Trump não foi o primeiro

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House panel requests Trump WH records from National Archives | AP News
À medida que o tempo passa, o noticiário global dedica menor atenção ao conflito russo-ucraniano, apesar da gravidade da escala da tensão, centrada em torno do controle de áreas no país invadido onde há usinas nucleares como a de Zaporíjia.

Bastante realçado nos últimos dias foi o mandado de busca e apreensão executado pela polícia federal norte-americana na histórica mansão de Donald Trump, presidente entre janeiro de 2017 a janeiro de 2020, localizada em Palm Beach, Flórida.

A investigação contra ele teria sido originada em decorrência da posse indevida de arquivos – ou de suas cópias – sigilosos do período do seu mandato presidencial – se confirmadas as três acusações divulgadas à opinião pública, entre as quais a de violação da Lei de Espionagem (de junho de 1917), o ex-dirigente poderá deparar-se com severa punição, como a de demorada reclusão, a despeito da idade avançada – 76 anos.

No começo de 2022, houve comunicado relativo à devolução ao governo de documentação recolhida de maneira inadequada por Trump. Entrementes, posterior conferência de servidores dos Arquivos Nacionais e Administração de Documentos (NARA em inglês) registraria a incompletude do retorno, de modo que o Departamento de Justiça seria acionado com o propósito de recuperar o restante da papelada, dada sua importância diplomática-militar.

Admiradores exaltados de Trump enxergam tintas de perseguição a ele na ação, observada de forma mais política que policial, até por ter sido direcionada a um ex-presidente, cuja ambição ainda contemplaria disputar a Casa Branca em 2024 – se postular o regresso a Washington, será o primeiro caso desde Ted Roosevelt, duas vezes eleito (1901-1909), o qual disputaria pela terceira vez em 1912, ou seja com intervalo de quatro anos, o cargo pelo Partido Progressista, dissensão da agremiação republicana. Ele chegaria em segundo, ao superar William Taft, concorrente à reeleição.

A presente questão da apreensão de documentos traz à memória recente caso similar, embora de menor gravidade, ocorrida não com titular da Casa Branca, porém com importante membro do gabinete de Richard Nixon e de Gerald Ford: Henry Kissinger, professor de Harvard por duas décadas, Assessor de Segurança Nacional (janeiro de 1969 a novembro de 1975) e Secretário (equivalente a Ministro) de Estado (novembro de 1975 a janeiro de 1977).

Próximo de sua saída do governo, ele solicitaria milhares de páginas transcritas de seus telefonemas monitorados com autoridades de diferentes países e de distintos graus hierárquicos ou com repórteres.

De modo geral, o teor vinculava-se à política externa com assuntos de suma relevância na época, como Guerra do Vietnã, golpe de Estado militar do Chile, restabelecimento progressivo de relações com a China, entre tantos outros. A guarda continuaria pública, após breve tentativa de preservá-la sob cuidado da família Rockefeller - https://foreignpolicy.com/2012/11/15/the-kissinger-transcripts/ 

No entanto, a documentação ao invés de ser transferida para os Arquivos Nacionais iria para a Biblioteca do Congresso, onde seria posta a distância de ocasionais pesquisadores, uma vez que o acordo com esta instituição garantiria ao ex-mandatário inviolabilidade do material meia década depois de seu falecimento – Kissinger encontra-se a poucos meses do seu centenário.

Graças à iniciativa de organizações como National Security Archive e Reporters Committee for Freedom of the Press, haveria recurso ao Judiciário com a finalidade de obter livre acesso ao conteúdo administrativo reunido pelo ex-secretário - https://www.washingtonpost.com/archive/politics/2001/08/10/state-dept-gains-access-to-kissinger-transcripts/1c4f366f-f786-4ff9-82cb-ada6a28aae4c/ 

Naquele momento, a proposição ocorreu em virtude da disposição de historiadores e de jornalistas; hoje, decorre da de procuradores; naquela fase, o objetivo foi o de dificultar a consulta de assuntos delicados; atualmente, facilitá-la, porém para pessoas do círculo do controvertido – por ora - empresário. Comum a ambos os eventos, a surpresa da sociedade, primeiro que tudo, com o menosprezo ao interesse público.

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Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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