Correio da Cidadania

1822: reverenciar a abnegação da população

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Dom Pedro I - Biografia do primeiro imperador brasileiro - História -  InfoEscola

Na semana dos duzentos anos de independência formal do país, o acontecimento a celebrar não é a redução significativa da desigualdade social, nem o desenvolvimento contínuo ou mesmo a preservação constante do meio ambiente, porém o deslocamento temporário de Lisboa a Brasília do coração de dom Pedro – a depender do lado do Atlântico, primeiro do Brasil como imperador ou quarto de Portugal como rei.

Se fosse para exaltar alguém na importante efeméride da obtenção da soberania junto a Portugal, após tentativas frustradas na região sudeste no século 18 e nordeste no 19, o Planalto poderia ter-se valido de exemplos mais simbólicos perante a população.

Ainda que mais costumeiros como o do mineiro Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), perpetuado no imaginário nacional como Tiradentes, condenado à morte por forca pela Coroa, ou o da pernambucana-cearense Bárbara (Pereira) de Alencar (1760-1832), a primeira prisioneira política do país, em decorrência de sua liderança no correr da efêmera República do Crato, movimento conectado com a Revolução Pernambucana de 1817 – figuram ambos, ao lado do dirigente bragantino, no rol do Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria:

A historiografia tradicional exalta o papel desempenhado pela casa de Bragança em dois de seus membros durante a vasta transformação ocorrida a datar da Revolução Francesa com o novo delineio político do mapa europeu e do sul-americano: dom João e dom Pedro, filho primogênito.

Como regente da rainha, dona Maria, dom João havia capitaneado a fuga em 1807 – ou a transferência no expressar de admiradores do regime monárquico - da família real e dos acólitos de Lisboa para o Rio de Janeiro, depois de passagem por Salvador.

Se, por um lado, o príncipe garantiu a manutenção da união do decadente império, conquanto sob rigorosa tutela britânica, por outro, deixou o povo luso à própria sorte nas mãos das tropas francesas, comandadas pelo general de divisão Jean-Andoche Junot – o militar havia sido embaixador lá em 1805 por breve período.

Os efetivos ingleses, liderados pelo general de três estrelas, sir Arthur Wellesley, chegariam a Portugal apenas em meados de 1808.

Poderia dom João ter-se inspirado em seu remoto parente, dom Antônio, prior do Crato; após ser derrotado em 1580 próximo da capital pelos contingentes espanhóis encabeçados pelo capitão-general Fernando Álvarez de Toledo, ele iria em busca de apoio da Inglaterra e da França para a causa da independência.

De lá, ele seguiria para a ilha Terceira, nos Açores, com o propósito de dirigir a resistência. No entanto, depois das primeiras escaramuças, Madri já não encontraria muitas dificuldades para eliminar o restante da oposição. Portugal só recuperaria sua autonomia em 1640.

Como imperador a partir de 1822, dom Pedro, diante do desgaste político interno crescente, preferiu partir do Brasil em 1831, ao invés de dialogar com a sociedade, ainda constituída de maneira limitada.

Sem contradição, o mandatário, como o pai, optaria por relegar ao segundo plano o povo, o qual como soberano deveria representar e defender. No bicentenário da independência, o governo, ao homenagear quem abdicou de permanecer no país, em vez de reverenciar quem se sacrificou com a vida ou com a liberdade, demonstra o quão distante está da população.

Virgilio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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