Correio da Cidadania

Estados Unidos: o desprezo de Trump à democracia

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Donald Trump é fichado em cadeia no estado da Geórgia – Jornal Dia Dia
Nos anos 60, a conhecida art pop valia-se da reprodução estilizada de imagens consagradas de personalidades nos meios de comunicação. O recurso à divulgação maciça por Andy Warhol, por exemplo, podia ser a utilização de famoso quadro como o de Gioconda ou Mona Lisa de Leonardo da Vinci ou foto do rosto da sorridente Marylin Monroe ou da compenetrada Elizabeth Taylor ou ainda de Elvis Presley como vaqueiro de arma em punho.

O emprego disso se estendia à política internacional também. Na década seguinte, em momento de tentativa de distensão na Guerra Fria, o polêmico artista iria produzir uma série sobre Mao Tse Tung, presidente da Comissão Central do Partido Comunista da China – uma delas seria leiloada em 2017 por mais de doze milhões e meio de dólares - https://www.sothebys.com/en/auctions/ecatalogue/2017/modern-contemporary-art-evening-sale-hk0713/lot.1030.html

Nos dias atuais, há ampla propagação da face de dirigente outrossim emblemático da política norte-americana: a do controvertido Donald Trump. Desta feita, ela não foi composta por retratista ou fotógrafo renomado e depois tratada de maneira artística, porém por policial anônimo ao público em uma unidade prisional do condado de Fulton.

Destinada de modo inicial a constituir os arquivos da segurança pública da Geórgia, em função de apuração relativa à formação de quadrilha no estado voltada para impedir a conclusão da eleição presidencial de 2020, ou seja, a ratificação da vitória de Joe Biden, a estampa do ex-mandatário se disseminaria de forma acelerada mundo afora.

A difusão, a princípio, aparentaria ser-lhe bastante desfavorável ao eleitorado; afinal de contas, seria a primeira vez nos Estados Unidos o indiciamento de um ex-presidente da República. Surpreendentemente, partiria do próprio grupo do político, no entanto, o espraiamento de seu retrato criminal (mugshot), ao alegar ser ele vítima de perseguição.

Mais inesperado, seria o aproveitamento da foto para sua propaganda eleitoral, ao aplicar uma comissão de angariamento de fundos vinculada a sua pré-candidatura a venda de diferentes produtos como adesivos automotivos, xícaras, porta-copos e camisetas com os dizeres: jamais render-se (Never surrender).

Lado a lado da surpresa da sociedade com o incomum fato, existiu antes o planejamento da data da apresentação de Trump ao cárcere, ocorrida em consonância com o calendário da agremiação republicana.

Assim, seu comparecimento aconteceria apenas um dia após o primeiro debate entre os aspirantes do partido à candidatura oficial. O evento televisionado não contou com sua participação e seria de maneira natural ofuscado no dia seguinte pela cobertura extensa da imprensa de sua saída de Nova Jersey até a Geórgia de jato particular com o propósito de se entregar às autoridades.

Com fiança concedida e paga sem hesitação, ele irá aguardar o julgamento em liberdade, até por questões de segurança. Há cerca de cinquenta anos, Richard Nixon, republicano como Donald Trump, teve de renunciar à Casa Branca e recolher-se por muito tempo em decorrência de suas constantes declarações inverídicas proferidas à medida que a apuração sobre o caso Watergate se aprofundava.

Hoje, as diversas investigações, ao invés de conter o ex-governante, estimulam-no não só a aparecer como suposta vítima, como também a postular o cargo de maior importância da nação. Eis temerário modelo para outros países.

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Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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