Correio da Cidadania

EUA: a Câmara como arena de republicanos e democratas

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Em agosto de 1974, Richard Nixon renunciou à presidência da República, medida inédita na história nacional. Com o gesto inaudito, ele pouparia os Estados Unidos de desgaste maior, ao reduzir a enorme pressão interna – a expectativa de conclusão de longo processo de sua destituição pelo Congresso – e a externa – o abalo na liderança moral do polo capitalista contra o comunista, então afetada pela crescente dificuldade na Guerra do Vietnã.

O alívio desencadeado pela desistência do mandato valeria ao dirigente um antecipado indulto concedido por Gerald Ford, seu sucessor, em decorrência de seu envolvimento e de assessores no grave caso de Watergate.

Conquanto os republicanos estivessem à frente de Washington desde janeiro de 1969, eram eles minoritários na Câmara dos Deputados, de sorte que os democratas ocupariam a presidência da casa na altura da administração de Nixon e de Ford (1969 a 1977): John W. McCormack (1962 a 1971) e Carl Albert (1971 a 1977).

Nos dias de hoje, a conjuntura inverte-se: são os democratas no Executivo, com Joe Biden, ao passo que são os republicanos na Câmara Baixa, com Kevin McCarthy até a semana passada, ao ser defenestrado de forma incomum do cargo a partir do apoio de poucos membros de seu próprio grupo – saliente-se não ter ele chegado a cumprir nem sequer metade do mandato. A ação inesperada provocaria pela primeira vez a vacância da presidência da instituição.

Em face de possuir a maioria, embora por estreita margem, da representação de 435 cadeiras, o Partido Republicano terá a primazia de indicar o substituto de McCarthy nos próximos dias – os meios de comunicação divulgaram a possibilidade, pasmem, de Donald Trump, indiciado quatro vezes até agora, de concorrer ao posto máximo da entidade.

Na realidade, o círculo parlamentar do ex-governante propõe não seu polêmico nome, porém o de Jim Jordan, representante da ala mais conservadora da agremiação. Mesmo assim, o quadro atual pode ocasionar ao Partido Democrata vitória de Pirro.

No curto prazo, os democratas beneficiam-se da falta de coordenação parlamentar de seus concorrentes republicanos porque terá reflexos aos olhos do eleitorado ao observá-los como legisladores com interesses paroquiais e circunstanciais, não nacionais e estruturais. Some-se a perspectiva de que com a ratificação de Jordan o antagonismo à Casa Branca se revelaria mais radical.

Isso poderia influenciar o andamento das prévias da agremiação adversária concernentes à escolha da candidatura presidencial – há vários postulantes, embora o nome forte do reacionarismo até o momento seja o de Donald Trump, apesar dos processos judiciais originados do período de sua gestão em Washington. No lado do governo, a situação encontra-se tranquila, ao ser encarada como definitiva a aspiração de Joe Biden à reeleição.

No entanto, no médio, a ausência de organização da oposição à Casa Branca na Câmara dos Deputados poderia atrapalhar a aprovação de projetos de lei em torno dos quais haveria convergência como os relativos ao orçamento federal, em especial nos tópicos conectados com a política fiscal. A população norte-americana vislumbrou problema similar há alguns dias.

Portanto, o risco de embaralhar-se o cotidiano do Congresso em função do convívio dos democratas com uma presidência bem conservadora poderia ter desdobramentos prejudiciais ao funcionamento burocrático da estrutura da Casa Branca, ainda mais a apenas um ano do principal pleito do país.

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Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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