Correio da Cidadania

Estados Unidos: Henry Kissinger no Brasil ditatorial

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protesto contra harry kissinger na unb em 1981
J.Cardoso/CPDoc.JB

Henry Kissinger foi uma das principais peças do complicado tabuleiro do período moscovita-washingtoniano a partir da década de 60. Naturalizado norte-americano nos anos 40, sua família havia sido obrigada a emigrar da Alemanha em função da ascensão do nazifascismo e da consequente opressão à comunidade judaica.

Retornaria ao país natal durante o fim da Segunda Guerra Mundial como soldado. De lá, após servir no setor de inteligência do Exército, ele reingressaria aos Estados Unidos condecorado com a estrela de bronze e com a patente de sargento.

Aplicado nos estudos, obteria bacharelado, mestrado e doutorado em Harvard, instituição na qual lecionaria por muitos anos. Publicaria desde a década de 50 obras de abrangência de variados aspectos da história contemporânea, entre os quais os relativos à ordem global pós-napoleônica, política nuclear e nos últimos tempos China.

Paralelo às atividades acadêmicas, alçaria os mais altos postos do governo estadunidense, sob rubrica republicana, ao ser o titular da Assessoria de Segurança Nacional e depois do Departamento de Estado. Integraria assim dois gabinetes entre janeiro de 1969 e janeiro de 1977: o de Richard Nixon e o de Gerald Ford. No auge, seria conhecido como o Super K!

Sua atuação se vincularia de maneira direta a episódios trágicos da disputa bipolar, malgrado o galardão do Nobel da Paz em dezembro de 1973, registrados e analisados por Christopher Hitchens em O Julgamento de Kissinger.

Seriam vários os países objetos da indevida interferência norte-americana naquele período como Chile, Bangladesh, Indonésia por causa do Timor Leste, Paquistão, Camboja e Vietnã, onde Washington, em nome do anticomunismo acérrimo, permaneceria por mais de um decênio com centenas de milhares de efetivos.

Posterior à renúncia do presidente Richard Nixon em agosto de 1974, seu desprestígio na Casa Branca se iniciaria de modo lento – em janeiro de 1976, ele deixaria o comando da poderosa Comissão dos 40, órgão encarregado de supervisionar as operações da Agência Central de Inteligência (CIA) - https://www.nixonlibrary.gov/sites/default/files/virtuallibrary/documents/nsdm/nsdm_040.pdf 

Apesar do desgaste interno, ele seria no final de fevereiro do mesmo ano acolhido com pompa e circunstância no Brasil pela cúpula autoritária, ciosa da importância do tratamento cordial a representantes da superpotência.

Na época da viagem a Brasília e ao Rio de Janeiro, a América do Sul não era área problemática para os Estados Unidos, haja vista a identificação das ditaduras militares com o principal ideário oriundo da Casa Branca: o do antiesquerdismo, não o da democracia, a despeito da retórica à opinião pública mundial. A preocupação de Washington com Moscou vinculava-se a duas questões: eurocomunismo e Angola.

Com o primeiro tema, a desconfiança de que a passagem dos partidos comunistas locais da ortodoxia ideológica para a flexibilidade, a fim de compor governos de coligação, pudesse erodir o relacionamento com Washington e, por conseguinte, enfraquecer a manutenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e fortalecer Moscou no continente; com o segundo, o temor de que a fragilidade política do pós-independência de Portugal em decorrência da intensa disputa bélica entre três grupos – à esquerda, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e à direita a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e sua dissidência a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) – pudesse transformar a nação no novo Vietnã na rivalidade bipolar.

Mesmo sem cargos oficiais após janeiro de 1977, Kissinger continuaria a circular no alto escalão da ditadura militar e a ser até homenageado como em junho de 1978 ao receber da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) o título de doutor honoris causa. Com seu falecimento, chamou a atenção as palavras da China, ao se referir a ele de forma estimada ao tratá-lo de ‘velho amigo’ - https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/07268602.2013.846459 

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Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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