EUA: dificuldade de trunfo de Biden na política externa
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- Virgílio Arraes
- 23/12/2023
Governantes de grandes potências costumam valer-se com mais vigor da política externa para fortalecer a popularidade interna, ainda que o prestigio global momentâneo não signifique auferir ganhos eleitorais imediatos.
O Partido Democrata estava à frente da Casa Branca na vitória da I Guerra Mundial; no pleito presidencial de 1920, a agremiação republicana, no entanto, o substituiria em Washington; em 1946, a situação seria distinta: os democratas obteriam o quinto êxito sucessivo, algo inédito na história do país, ao ter eliminado o eixo nazifascista no ano anterior.
Em 1992, o Partido Republicano, embora tivesse encerrado a rivalidade bipolar, ao derrotar a União Soviética, perderia a disputa. Por outro, o fracasso ultramar prolongado auxilia a derrocada interna. A Guerra do Vietnã havia consumido os democratas em 1968 e a do Afeganistão e a do Iraque no começo do século corroeu os republicanos em 2008.
Joe Biden chega ao final de 2023 com obstáculos à vista para estender a permanência na Casa Branca por novo quatriênio, apesar de as estatísticas econômicas não lhe serem desfavoráveis ao cabo do terceiro ano de mandato: a inflação anual deve ser a mais baixa de sua administração, apesar de situar-se acima da do período de Donald Trump - https://www.minneapolisfed.org/about-us/monetary-policy/inflation-calculator/consumer-price-index-1913-
A taxa de desemprego reduz-se também: é a menor desde que o dirigente assumiu o posto, ao estar abaixo dos 4%. A cifra avizinha-se dos números da época do seu predecessor até, saliente-se, as vésperas do alvorecer da pandemia do vírus corona, momento no qual o índice alcançaria quase 15% https://apnews.com/article/jobs-economy-inflation-rates-hiring-federal-reserve-953387b195e6c58703b33ef94dad11b4
Na arena internacional, os entraves são consideráveis: os dois conflitos mais chamativos da atualidade, localizados no leste da Europa e no Oriente Médio, desenvolvem-se em turbilhões. A despeito do manifesto interesse, os Estados Unidos não conseguem influenciar os contendores a interromper os embates.
No caso da confrontação russo-ucraniana, a duração dos choques aproxima-se do biênio e já não se descortina a possibilidade de Kiev barrar os avanços de Moscou, malgrado o intenso auxílio financeiro e bélico. Além disso, o projeto de expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte encontra-se ameaçado enquanto continuar a invasão.
De modo involuntário, ocasional trunfo na política exterior de Washington poderia advir da América do Sul a partir do posicionamento temerário da Venezuela, ao desejar absorver três quartos do território da Guiana, o que na prática significaria o fim da existência da diminuta nação.
Conquanto haja embasamento histórico na reivindicação de Caracas, a forma de atuação de Nicolas Maduro é bastante inadequada. Embora a movimentação se dirija à abalada sociedade interna, haja vista a eleição em 2024, a repercussão da medida abrange Washington, Pequim, Moscou e Brasília, em função do entrelaçamento de interesses energéticos, econômicos, ideológicos e militares.
Com a fanfarronice de incorporar o indefeso vizinho, a Venezuela pode proporcionar aos Estados Unidos em 2024 a perspectiva de defender pequeno país em nome da autodeterminação e do repúdio ao caudilhismo e, ao mesmo tempo, de erodir o poderio do regime bolivariano. É hora de ingresso da diplomacia multilateral.
PS: Em dezembro de 2023, completei duas décadas de Correio da Cidadania. Conheci o jornal outrora impresso como leitor no início dos anos 2000; hoje, tenho a satisfação de escrever para um veículo de comunicação insistentemente progressista, característica rara no Brasil de hoje. Gostaria de agradecer à Valéria Nader a primeira oportunidade e ao Gabriel Brito a permanência no quadro de articulistas. Longa vida ao Correio da Cidadania!
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Virgílio Arraes
Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.