Correio da Cidadania

Estados Unidos: a inquietação com o 25 de abril de Portugal

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Datei:President Reagan and Prime Minister Soares of Portugal in the Oval Office 1984-03-14.png
2024 recheia-se de efemérides marcantes, ora negativas, ora positivas: no Brasil, há os sessenta anos do golpe militar de abril de 1964, acontecimento no qual o silêncio do governo, oficialmente trabalhista, reverbera indulgência injustificada ao autoritarismo, ao omitir-se de repudiar o mais longo período de arbítrio em solo nacional do século anterior, e os duzentos da Confederação do Equador, segunda tentativa frustrada no Nordeste de se implementar uma república federativa diante da inflexibilidade política da monarquia bragantina, eivada da tradição absolutista oriunda do lado oposto do Atlântico, ou seja, de Portugal.

De lá, no entanto, há o meio século da extinção do Estado Novo, o regime autocrático mais antigo da Europa na época, cujos passos haviam sido dados na década de 1930 sob comando inicial de Antônio Salazar e por último de Marcelo Caetano; ao ser defenestrado do posto, ele se exilaria no Brasil onde faleceria em 1980.

A era salazarista-marcelista desabaria, ao desmanchar-se de modo célere. A ausência de consistência derivaria de duas questões externas: a elevação súbita da cotação do petróleo a partir de 1973, originado na derrota da coligação árabe na Guerra do Yom Kippur, conflito no qual Lisboa havia desempenhado importante papel ao dispor da base dos Açores a Washington, e o desaparecimento da perspectiva de vitória nos confrontos com as várias colônias na África em busca da justa independência, depois de gerações de exploração.

Da primeira, a alta da inflação em uma sociedade rural, empobrecida e desigual do ponto de vista social e mal avaliada por parcela dos países produtores de petróleo no Oriente Médio; da segunda, o alastramento do desânimo nas tropas ao deixar de vislumbrar sentido em manter o status de potência ultramar, decadente havia muito tempo e desconectado do posicionamento dos Estados Unidos de extinguir os impérios europeus – outrossim, a Casa Branca encontrava-se abatida em sua confrontação com o Vietnã do Norte em nome do anticomunismo e no escândalo interno de Watergate.

Depois de quatro decênios e meio de vigência de conservadorismo extremo, existia a intranquilidade nos Estados Unidos de que Portugal, fiel aliado no transcorrer da Guerra Fria, ao integrar os quadros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) rumasse para o lado adversário, mesmo sem ingressar de maneira direta na órbita da União Soviética (URSS).

Em face da tensão, a Casa Branca se movimentaria para barrar a ascensão de pautas avaliadas mais à esquerda, defendidas pela baixa e média oficialidade, responsáveis principais pelo golpe de Estado. Na transição, Álvaro Cunhal e Avelino Gonçalves, membros do Partido Comunista Português (PCP), participariam do denominado Governo Provisório (GP).

Um ano posterior, dada a continuidade da esquerda radical no escalão governamental superior, Washington teria duas alternativas à vista: distanciar-se ou aproximar-se de Lisboa; na primeira situação, valorizar-se-iam os comunistas, de perfil revolucionário, e na segunda robustecer-se-iam os socialistas ou ainda os social-democratas, de matiz reformador.

Na perspectiva norte-americana, a circulação de esquerdistas na administração superior poderia influenciar a atuação de agremiações similares em eleições em solo francês e italiano. Com a instabilidade econômica externa e com a insegurança política interna, a Casa Branca decidiria suspender o apoio a Belém a fim de persuadir de modo indireto o restante da Europa.

Em prossecução, os Estados Unidos enviariam como representante Frank Carlucci, diplomata de perfil conservador cujo ápice funcional seria a titularidade do Departamento de Defesa ao cabo da bipolaridade amero-soviética, sob a presidência de Ronald Reagan.

Portugal, sob entusiasmo de Mário Soares, rumaria para a moderação, ao optar por reforma, não por revolução, a datar de 1976, após a tentativa de golpe militar no final de 1975. Sob a liderança do socialista, o país se adequaria aos poucos aos padrões sociopolíticos da faixa norte-atlântica.

Assim, os portugueses permaneceriam nas fileiras otanianas, fator de preocupação de Washington quando da passagem do regime ditatorial para o democrático em decorrência da importância da base das Lajes, situada na ilha Terceira (Açores), e recuperariam a confiança junto aos estadunidenses.

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Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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