Correio da Cidadania

Resolução do CNJ é novo ataque ao valor do trabalho

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Levando adiante a sua verdadeira Cruzada, destinada a atender a eterna demanda do setor empresarial de eliminação do custo social da exploração do trabalho, o ministro Luís Roberto Barroso propôs, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a formalização de uma Resolução (Ato Normativo) que estabelece um procedimento judicial destinado à homologação de acordos extrajudiciais na Justiça do Trabalho, validando a cláusula de “quitação ampla, geral e irrevogável”.

O efeito da iniciativa, no entanto, acaba sendo promover “segurança” para as empresas que cometem ilegalidades, já que os dados estatísticos, tão citados ultimamente, revelam que em apenas 10% dos casos levados à Justiça do Trabalho os pleitos formulados pelos trabalhadores e trabalhadoras são totalmente rejeitados. De um modo geral, quem se situa na condição de reclamado na Justiça do Trabalho é porque, segundo os números das pesquisas, cometeu alguma ilegalidade.

Estas mesas empresas há décadas demandam segurança para continuar cometendo ilegalidades trabalhistas, sob os argumentos retóricos da dificuldade econômica, da complexidade da legislação (mesmo depois de uma “reforma” aprovada, em regime de Estado de exceção, para atender a todas as reivindicações do setor) e da postura “paternalista” da Justiça do Trabalho.

As lamúrias dessa parcela do setor empresarial foram expressamente incorporadas aos fundamentos da Resolução, conforme se pode constatar nas passagens abaixo transcritas, que não deixam qualquer margem a dúvidas:

“4. A presente proposta busca enfrentar um dos problemas recorrentemente apontados na área trabalhista: a excessiva litigiosidade torna incerto o custo da relação de trabalho antes do seu término, o que é prejudicial a investimentos que podem gerar mais postos formais de trabalho e vínculos de trabalho de maior qualidade”.

“9. Espera-se que a litigiosidade trabalhista possa ser reduzida com a instituição de uma via segura para que as partes formalizem o consenso alcançado, com efeito de quitação ampla, geral e irrevogável, prevenindo o ajuizamento de reclamações. Diante do exposto, manifesto-me pela aprovação desta proposta de Resolução”.

Pelos “considerandos” trazidos na Resolução que aprovou o Ato Normativo, é possível constatar que não há um fundamento jurídico sequer que justifique a iniciativa. Trata-se, meramente, de uma tomada de posição a favor de uma ideológica que reflete, unicamente, a visão de mundo do setor empresarial que contraria os princípios do Direito do Trabalho e os valores sociais elegidos pela Constituição Federal.

A unanimidade do capital

Além de ser baseado em uma concepção ideológica, o Ato Normativo, para atingir seu objetivo, é repleto de afrontas à ordem jurídica. Mas, falemos disso mais adiante, porque o mais relevante mesmo é destacar o quanto é grave a simples existência dessa iniciativa regulatória no âmbito de um ente administrativo, ainda mais quando se verifica que a aprovação foi por votação unânime.

Cumpre, a propósito, enunciar os nomes dos votantes, até porque, dentre eles, estão profissionais oriundos da Justiça do Trabalho e estudiosos do Direito do Trabalho. Na Resolução consta que: “O Conselho, por unanimidade, aprovou a Resolução, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 30 de setembro de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Mauro Campbell Marques, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representantes da Ordem dos Advogados do Brasil”.

E cumpre registrar, também, o quão reveladora foi a forma como o noticiário das grandes empresas de comunicação em massa comemorou a publicação do Ato Normativo – e, inclusive, divulgou informações que não refletiam o integral conteúdo do documento, para, com isto, tentar reforçar o ambiente jurídico de fragilização da posição das trabalhadoras e dos trabalhadores perante as empresas.

Fato é que tão logo o Conselho Nacional de Justiça, usurpando o Poder Legislativo e, desviando-se completamente de suas atribuições constitucionalmente fixadas, divulgou um Ato Normativo em que fixou direitos e obrigações para as relações de trabalho, a grande mídia, porta-voz histórica do setor empresarial, aplaudiu efusivamente a “iniciativa” do Conselho Nacional de Justiça, pouco importando se, efetivamente, o CNJ detinha o poder para agir da forma como agiu.

Não é de hoje que o setor empresarial no Brasil joga um jogo do vale tudo, quando o objetivo é reduzir o custo da força de trabalho.

De todo modo, que o setor empresarial pense e aja desse modo, ainda que seja deplorável e se constitua, a bem da verdade, um estímulo a práticas de atos ilícitos, é até possível compreender, porque, afinal, está na lógica da conduta matematicamente calculada e sem limites do capitalismo.

Agora, que as instituições da República se coloquem a serviço da satisfação e gozo desses interesses exploratórios é algo que não se pode admitir, ainda mais quando, para atingir esse objetivo, afrontem a legalidade e ultrapassam os limites constitucionais.

O Ato Normativo representa um desprezo pleno à ordem jurídica, cometido por uma instituição cujo papel, constitucionalmente fixado, é o de promover uma atuação “administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (§ 4º do art. 103-B, da Constituição Federal).

No rol de atribuições que a norma constitucional conferiu ao Conselho Nacional de Justiça não se encontra o poder de regular as relações sociais.

Normal ditatorial

Desse modo, sem sofismas possíveis, é obrigatório concluir que o Ato Normativo 0005870-16.2024.2.00.0000 é um atentado contra o Estado democrático de direito e, pior, uma afronta jurídica promovida por quem teria a incumbência de obstar que o Poder Judiciário pudesse se apresentar como um instrumento da supressão da ordem constitucional.

Só por isso, todas as pessoas e instituições comprometidas com a democracia e com o respeito à Constituição deveriam se posicionar contra a existência, em si, de tal Ato Normativo e não, de forma oportuna, parabenizar o Conselho Nacional de Justiça pela iniciativa ou mesmo, mais uma vez, assumindo a lógica do mal menor, acolher a medida com o argumento de ter sido uma “vitória do possível”.

Nos termos expressos da Resolução, verifica-se, ainda, uma tentativa de legitimação da regulação, que estaria integrada ao conjunto dos objetivos e atividades de um grupo formado pelo Ministro Barroso para estudos sobre “métodos consensuais de solução de disputas na Justiça do Trabalho”.

Consta da Resolução que “a minuta foi construída após amplo diálogo, incluindo reunião ocorrida no Conselho Nacional de Justiça no dia 29.04.2024, com representantes do Tribunal Superior do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, da Ordem dos Advogados do Brasil, da academia, de centrais sindicais e de confederações patronais”.

Mas não fica claro se a “minuta” referida foi do tal “grupo de estudos” ou do Ato Normativo propriamente dito. De todo modo, o eventual aval dos referidos “representantes” não teria o condão de conferir poderes ao CNJ. Este aval, aliás, só tornaria mais grave e alarmante a situação.

Pois que fique, então, aqui registrado o meu pleno repúdio à iniciativa do Conselho Nacional de Justiça e a todas as manifestações de apoio à iniciativa ou de naturalização do ocorrido, até porque se a moda pega o CNJ não verá qualquer limite para, por exemplo, ditar normas que restrinjam a efetividade de Direitos Fundamentais, como se já não bastassem, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, as condenações (com cumprimento efetivo) sem processo judicial.

No que se refere ao conteúdo propriamente dito, o Ato Normativo não se desalinha do espírito autoritário e antijurídico de sua existência e promove uma série de novas inconstitucionalidades.

Em primeiro lugar, revela-se a contradição da iniciativa regulatória, que procura privilegiar a vontade das partes, mas vincula a validade jurídica desta vontade a uma chancela judicial. E, mais ainda, de forma arbitrária, autoriza esta “vontade mitigada” apenas para as situações em que o valor do acordo não ultrapassa o limite de 40 salários-mínimos. A Resolução não corrobora as próprias premissas.

Em segundo lugar, ainda de forma contraditória, busca tornar o ato judicial de homologação em mero ato burocrático, chegando mesmo a interferir na independência da magistratura ao estabelecer que “É vedada a homologação apenas parcial de acordos celebrados” (§ 3º do art. 3º).

Justiça de classe, mais do que nunca

Ou seja, reconhece-se que as partes, sendo desiguais, não têm plena liberdade para, no plano individual, solucionar os seus conflitos, competindo ao Judiciário validar o eventual negócio jurídico formulado entre ambas. No entanto, esta homologação se faria sem que se promova qualquer juízo de valor. Assim, o ato de passar pelo Judiciário seria apenas uma burocracia a mais.

Ocorre que a homologação é uma decisão judicial que, traduzindo, representa o reconhecimento do Judiciário de que o negócio jurídico realizado está em conformidade com o direito.

Para dizer isto, em se tratando de direitos trabalhistas, que envolvem a conformidade da norma com os fatos, dado o princípio da primazia da realidade em que se funda o Direito do Trabalho, a juíza ou juiz precisa conhecer os fatos que envolvem o conflito. Um acordo que apenas diz o quanto se paga por tal ou qual “parcela” (que nem é referida como um direito) simplesmente não tem como ser judicialmente homologado.

Se for validado judicialmente, pode ser tudo, menos uma homologação. E o que se efetivar neste ato de “homologação” não tem qualquer valor jurídico.

Lembre-se, por oportuno, que o entendimento sumulado do TST, como não poderia ser diferente, garante ao juiz e à juíza a liberdade de não homologar um acordo: “A concessão de liminar ou a homologação de acordo constituem faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança” (Súmula 418 do TST).

Fato é que o juiz ou a juíza poderá decidir pela não homologação do acordo se os seus termos ferirem direitos indisponíveis ou preceitos de ordem pública, ou mesmo quando os elementos constantes do acordo não forem suficientes para que essa análise seja feita.

O preceito de que direitos indisponíveis e de ordem pública não podem ser desprezados pelo acordo está, inclusive, expresso no art. 855-C da CLT, trazido pela Lei nº 13.467/17: “O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação”.

Igual preceito pode ser visualizado no inciso II do § 4º do art. 844, que diz, de forma expressa, que um instituto processual (à revelia) não pode gerar efeito sobre “direitos indisponíveis”.

De todo modo, diante da Resolução do Conselho Nacional de Justiça, o que se pode antever é que uma não homologação por parte do juiz ou da juíza gerará uma insatisfação da empresa que se viu frustrada em sua expectativa de se “se ver livre” daquele(a) trabalhador(a).

Instrumentalizada pela Resolução, a empresa se sentirá com o poder de promover uma reclamação disciplinar perante o CNJ, em face da conduta adotada pela juíza ou o juiz. E, assim, a cada punição administrativa de um juiz ou juíza que, cumprindo o seu dever funcional e exercendo o seu poder jurisdicional, se recusarem a corroborar com esta aberração toda, o Judiciário Trabalhista se verá de forma definitiva destituído da esfera dos Poderes da República.

A Resolução também fere a ordem jurídica, de forma muito séria, ao tentar impor ao Judiciário a generalização da fórmula (aclamada pelo setor empresarial) de que “acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho tenham efeito de quitação ampla, geral e irrevogável”.
Mas não há um fundamento jurídico sequer expresso na Resolução para adotar esta fórmula.

Os únicos pressupostos anunciados são os de conferir segurança para a empresa que cometeu uma (ou várias) ilegalidade trabalhista e de impedir o acesso à justiça, o que representa, em si, afronta direta ao incido XXXV do art. 5º da CF (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito). E olha que não estamos falando de lei e sim de um ato cuja melhor denominação é o “seja lá o que for isso”.

E a tal “quitação”, ademais, ovacionada e acobertada pela Resolução do Conselho Nacional de Justiça, sequer pode ser concebida como um instituto destinado à vedação da efetividade de normas jurídicas.

Fraude processual

O dever do Estado, ademais, é garantir a efetividade do direito. Portanto, contraria a este objetivo a criação e validação de mecanismos que coloquem em segundo plano o cumprimento da norma jurídica. Lembre-se que, em termos trabalhistas, o Estado é responsável, inclusive, pela fiscalização dos empregadores visando a aplicação efetiva das leis do trabalho.

É também necessário não olvidar que a quitação é, na verdade, o efeito jurídico do pagamento, tal como consta da própria definição do art. 477 da CLT. A quitação, portanto, abrange, unicamente, as verbas pagas e devidamente discriminadas no ajuste, mesmo quando se trate de acordo homologado judicialmente.

Conforme dispõe o artigo 320 do Código Civil: “A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante”.

Aliás, também o Código de Processo Civil possui disposição expressa referindo que a homologação de acordo constitui decisão final de mérito (art. 487) e que deve ser restrita aos limites da lide, conforme art. 503: “A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida”.

Fato é que um acordo, que versa sobre verbas trabalhistas, ainda mais realizado extrajudicialmente sem a explicitação factual do conflito subjacente, não pode implicar em renúncia prévia e genérica a direitos, ainda mais quando diz respeito a crédito de natureza alimentar, sob pena de violação do art. 100 da Constituição, do art. 1.707 do Código Civil e do art. 9º da CLT.

Uma estipulação além desses limites é flagrantemente inconstitucional especialmente quando tenha como propósito evitar o acesso à justiça, garantido pelo artigo 5º, XXXV, e pelo artigo 7o, XXIX, ambos da Constituição. A cláusula de “quitação ampla, geral e irrevogável” é ilegal e a atuação jurisdicional não tem o poder de tornar legal o que é literalmente ilegal, sob o falso argumento da segurança jurídica.

Não é possível pensar em segurança jurídica em uma realidade na qual o Estado, que detém o monopólio da jurisdição, busca, ele próprio, por meio da lei, negar o acesso à justiça para pessoas que se veem submetidas a uma relação jurídica marcada pela desigualdade, lógica que, ademais, se repete no atual art. 507-B da CLT.

Fica nítido da análise da alínea “f” (trazida pela Lei n. 13.467/17) do art. 652 da CLT, que homologação é uma decisão, que requer, portanto, fundamentação e respeito à ordem jurídica. Mesmo os acordos extrajudiciais, na esfera trabalhista, para que tenham validade jurídica, dependem de homologação do juiz ou juíza da Vara do Trabalho e essa homologação não é automática, pois este ou esta, como diz a lei, deve “decidir” a respeito.

Não se trata, pois, de um ato burocrático, de mero acatamento ou de submissão à vontade das partes, vez que decidir é dizer o direito e homologar, concretamente, representa dizer que a vontade expressa pelas partes está em conformidade com a ordem jurídica.

Lembre-se, ainda, do parâmetro estabelecido pelo parágrafo único do artigo 507-B, da CLT: “O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas”.
O mesmo parâmetro também se extrai do art. 452-A, § 7º, da CLT: “O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6o deste artigo”.

O próprio CPC, que faz bastante propaganda da conciliação, não serve à panaceia de que “todo acordo é legal”. O ato jurídico que no novo CPC é tratado com maior rigor técnico é a transação, a qual exige, para sua validade, concessões mútuas (art. 840, do CC) e respeito às questões de ordem pública, vez que “só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação” (art. 841, do CC).

Nos termos do CPC, não se resolve um processo pela conciliação, mas pela transação. Assim, mesmo se aplicados os dispositivos do CPC não se teria base legal para homologação de conciliações que representam renúncias a direitos, ferem direitos indisponíveis e desrespeitam questões de ordem pública.

O artigo 487 do CPC, é verdade, acata a possibilidade de solução do processo por meio da renúncia, mas ao menos o CPC tem o pudor de separar transação de renúncia, e esta, a renúncia, dado o princípio característico do Direito do Trabalho, não se aplica, por evidente, na Justiça do Trabalho. Ainda assim, a renúncia teria que ser expressa e delimitada para ter alguma validade e seria, como dito na letra “c” do inciso III, do art. 487, restrita “à pretensão formulada na ação”.

Ao tratar da coisa julgada, o artigo 503 do CPC reforça o entendimento da invalidade da cláusula de “quitação ampla”. Conforme deixa claro este dispositivo, o mérito, que compõe a coisa julgada, será vislumbrado “nos limites da questão principal expressamente decidida” (caput), sendo que mesmo as questões prejudiciais somente integram a coisa julgada quando inseridas em contraditório prévio e efetivo (§ 1º, inciso II).

Não se pode falar, pois, em homologação de “acordo” como mera fórmula de redução de processos, impondo-se avaliar se os termos da negociação representam transação ou renúncia, com a consequência óbvia de que os limites da homologação são os objetos expressamente transacionados – quando, de fato, transação haja.

Faz-se necessário, portanto, explicitar que a Resolução em questão, aprovada “por unanimidade” representa uma afronta direta à Constituição Federal e revelar que esta iniciativa está, de fato, relacionada a uma preocupação de atender os reclamos de setores patronais historicamente ligados à prática reiterada e assumida de descumprimento da legislação do trabalho, sendo estes, inclusive, os reais promotores da tal “conflituosidade”, que, a bem da verdade, não merece este nome, já que se trata efetivamente de efeito do exercício regular do direito constitucional de ação (que está integrado, inclusive, ao rol dos Direitos Humanos).

A busca da satisfação de um direito pelo uso da via processual é um direito e, até mesmo, uma expressão concreta da cidadania. Se na realidade do mundo do trabalho no Brasil muitos trabalhadores e trabalhadoras se veem coagidos a promover reclamações trabalhistas isto é sintoma de convivemos (passivamente, inclusive) com um desrespeito reiterado e generalizado das leis trabalhistas.

As providências do Estado neste contexto deveriam ser a da fiscalização e da punição dos infratores e não a criação de mecanismos que impeçam as pessoas, lesadas em seus direitos, de os defender judicialmente.

Aliás, se pensarmos bem, considerando a realidade das relações de trabalho no Brasil, com um elevadíssimo número de trabalhadores e trabalhadoras submetidos à “informalidade”, a contratos precários e a contratos de trabalho que não passam de um ano, o que se, concretamente, é uma situação de litigiosidade contida, sobretudo após a “reforma” trabalhista.

Despotismo patronal

O número de reclamações é, por conseguinte, infinitamente menor do que as situações em que os direitos trabalhistas são desrespeitados. E este é, de fato, o nosso maior problema, inclusive em termos de distribuição da riqueza e das potencialidades orçamentárias para o cumprimento das promessas do Estado social.

Além disso, é sobre os trabalhadores e trabalhadoras que, de forma concreta, recai a insegurança jurídica, já que dependem economicamente da preservação da relação de trabalho para sobreviver e, nestas condições, sem uma norma jurídica que lhes garanta o emprego, acabam aceitando trabalhar nas condições que lhes são oferecidas, sem o respeito a seus direitos.

Dentro desse contexto, a única arma que ainda resta aos trabalhadores e trabalhadoras é a possibilidade de ingressarem na Justiça do Trabalho para reaverem os seus direitos, sendo certo que só conseguem fazer isto após cessado o vínculo e, portanto, depois de terem sido submetidos, durante bom tempo, a condições adversas de trabalho. Mesmo o pagamento integral dos direitos, com juros e correção monetária mitigados (por ação do próprio STF), após anos de tramitação do processo, é incapaz de repor os danos e sofrimentos experimentados.

É, portanto, um enorme desvio de perspectiva, além de uma extrema violência, transformar a trabalhadora ou o trabalhador que procura fazer valer os seus direitos em um personagem indesejável que gera problemas ao Judiciário e, a partir desse pressuposto, criar um mecanismo para legitimar a renúncia de direitos de pessoas premidas pela necessidade, sobretudo, quando almejam o recebimento de verbas rescisórias de natureza alimentar, estrategicamente não pagas pelo empregador.

E, ao mesmo tempo, colocar na posição de vítima aqueles (empregadores) que impulsionam essa realidade perversa e tomam proveito dela.

O que se espera é que as revelações contidas na Resolução possam, ao menos, estimular reflexões, autocríticas e mudanças de postura, para que, enfim, se leve a efeito no Brasil o compromisso com a efetividade dos direitos sociais.

Jorge Luiz Souto Maior é professor de direito trabalhista na Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros livros, de Dano moral nas relações de emprego (Estúdio editores)
Fonte: 

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