Correio da Cidadania

Estados Unidos: aparar arestas com a Rússia

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Se durante a fase eleitoral a inaptidão administrativa dos republicanos ajudou Barack Obama, a partir de janeiro de 2009 ela o sobrecarregará por bastante tempo. Nas próximas semanas, a composição do gabinete presidencial indicará a forma pela qual a densa teia de acordos e arranjos políticos ao longo da campanha se desemaranha.

 

Alguns nomes da gestão Bush permanecerão em virtude da duração de seus mandatos, fixados por lei; outros, no entanto, poderão permanecer pela vontade de Obama, como seria o caso do titular do Departamento de Defesa, Robert Gates. Se confirmado, os democratas não cumprirão provavelmente uma de suas mais caras promessas no decorrer da eleição: a retirada do Iraque da maioria das tropas da coligação anglo-americana em até 16 meses.

 

Destaque-se que o posicionamento favorável a um retorno mais célere dos efetivos desagrada nomes do alto comando militar envolvidos com a Segunda Guerra do Golfo, como o do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, Almirante Michael Mullen, e o do próprio comandante no Iraque, General Raymond Odierno, deslocado há pouco tempo para lá (setembro), em substituição ao General David Petraeus.

 

Além do mais, a novel administração terá o desafio de reduzir o grau de animosidade a ser herdado no relacionamento com a Rússia. Não obstante a instalação de equipamentos militares na Polônia e na República Tcheca, Washington há poucos dias estabeleceu sanções contra a Rosoboronexport, empresa russa exportadora de armamentos, por supostamente ter desrespeitado a Lei de Proliferação de Armas do Irã, de 2000.

 

Desenvolta, a empresa tem buscado nos últimos anos diversificar as suas vendas, aproximando-se mesmo da América Latina. Contudo, a aproximação de fato tem sido com a Venezuela, debilitada política – em vista da derrota nas eleições deste mês – e economicamente – em decorrência da redução repentina dos preços do petróleo.

 

Mesmo no âmbito do Partido Democrata, o futuro presidente tem de concertar-se politicamente com o casal Clinton. Em virtude desta necessária harmonização, a senadora Clinton virá a substituir Condoleeza Rice no Departamento de Estado. Independentemente da forma de escolha, o encargo será um dos mais difíceis do próximo governo.

 

Um legado turbulento poderá decorrer do encontro da Organização do Tratado do Atlântico Norte em dezembro próximo, ocasião em que se debaterá o ingresso de dois países de localização estratégica para a Rússia: Ucrânia e Geórgia. Com este, Moscou compartilha um estado de tensão desde o ataque de Tbilisi à Ossétia do Sul em agosto.

 

Se incluídos, a Rússia enxergará no alargamento da OTAN uma provocação ou, na melhor das hipóteses, uma descortesia. De toda maneira, já caberá ao presidente Obama distensionar, por meio do Departamento de Estado sob a administração de Clinton, o relacionamento.

 

Ainda que não diretamente, a Casa Branca necessitaria do Kremlin para modificar a situação desfavorável no Afeganistão. Se a intenção de Washington é reforçar o multilateralismo, um dos caminhos para isto seria levar a questão ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mesmo se eventual tratativa se mantiver somente no âmbito regional, os russos terão papel importante.

 

Uma proposta seria substituir militarmente a OTAN, baldada em sua tentativa de se tornar uma força-tarefa além-fronteiras, por tropas de países – não só, mas principalmente – fronteiriços, de sorte que se pudesse tentar com êxito o isolamento da Al-Qaeda. A concertação teria a presença de dois membros permanentes do Conselho de Segurança: China e Rússia.

 

De fato, o atual modelo não satisfaz há muito tempo: nem Alemanha, nem Espanha, por exemplo, tencionam enviar mais efetivos. Canadá, idem. Desta forma, o convergente projeto norte-americano de aumentar as tropas em solo afegão, visto que durante a campanha presidencial houve concordância entre os dois candidatos quanto a isso, choca-se com o posicionamento dos aliados, o que pode exigir novamente maior presença da Rússia no encaminhamento de uma solução mais satisfatória. Assim, desemaranhar as dificuldades com Moscou será uma das hercúleas tarefas do presidente Obama.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

 

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