Rumsfeld: o legado político pairante
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- Virgílio Arraes
- 30/05/2007
Responsabilizado politicamente pelo malogro norte-americano no Iraque, logo após a derrota do Partido Republicano na última eleição de novembro de 2006, Donald Rumsfeld, secretário de Defesa, seria defenestrado do seu cargo em meados de dezembro. Atualmente, vivencia o ostracismo, apesar de ter sido um dos principais formuladores da política externa republicana durante anos.
Em decorrência de seu dinamismo no campo da política internacional, Rumsfeld havia coordenado, de modo reservado, uma proposta de reformulação das organizações internacionais, ainda no primeiro semestre de 2006. Em sua visão, a composição de tais instituições estaria defasada, haja vista o período em que a maior parte delas havia sido constituída. Como conseqüência, elas não teriam condições suficientes para contrapor-se, de maneira eficiente, ao terrorismo, crimes cibernéticos, tráfico de drogas e quejandos.
Diante de tal quadro, haveria um descompasso entre a atuação internacional dos Estados Unidos e a desses organismos, refletido principalmente no setor bélico, ao não disporem de uma força imediata de resposta (QRF, i.e., Quick Reaction Force) e de centros de treinamento tanto militar como policial. Como complemento, não existiriam também condições adequadas para desenvolver a contento estruturas constitucionais e de governança em países com crises agudas duradouras.
Por isso, a reforma por si só das organizações internacionais existentes, como as Nações Unidas, por exemplo, não lograria êxito, à medida que seus propósitos ainda se vinculariam a uma temática pertencente ao tempo da Guerra Fria. Por extensão, novos problemas requestariam novos organismos não necessariamente mundiais. Isso, de certo modo, poderia acarretar a diminuição das responsabilidades estadunidenses como polícia da ordem globalizante, a fim de manter a estabilidade da Nova Ordem Mundial.
Uma das justificativas para um redesenho institucional havia sido a segurança da região médio-oriental e cercanias por causa do Irã, observado como ameaça permanente, em decorrência de ser uma teocracia relativamente fechada, em busca de poderio nuclear. Como contraponto a ele, os Estados Unidos deveriam reiterar seus vínculos com a Arábia Saudita e Egito, paradoxalmente países pouco democráticos para os padrões ocidentais.
A par de novos regimes internacionais para a área militar e administrativa, Rumsfeld defenderia algo similar internamente, tendo por inspiração a Comissão Hoover - vigente entre 1947 e 1949 por determinação do Presidente Harry Truman -, cujo objetivo havia sido a remodelagem tanto do poder Executivo como do Legislativo para ambientarem-se perante o novo quadro internacional, após o fim da II Guerra Mundial.
Na visão de Rumsfeld, faltaria a agilidade necessária ao Executivo para adequar-se corretamente aos novos desafios. A delimitação estabelecida entre o Departamento de Defesa e o de Estado seria assaz burocrática, de maneira que impossibilitaria a execução de uma política externa mais abrangente e, simultaneamente, mais eficiente.
Um dos pontos mais sérios de entravamento da política externa se relacionaria ao modo de prestar o auxílio externo, por exemplo, estimado por Rumsfeld como de suma importância para a segurança nacional. O Departamento de Estado tem a prerrogativa administrativa, mas faltam-lhe, por outro, as verbas, enquanto o de Defesa dispõe de recursos, porém não da autoridade.
Diante da rotina turbulenta derivada da ocupação do Iraque, Rumsfeld não pôde levar a cabo o debate sobre a reestruturação da burocracia militar e diplomática. Dentro do cânone da política de poder, ela seria por certo necessária, com o fito de adaptar os Estados Unidos a contraporem-se aos novos adversários - estruturados em pequenos agrupamentos de guerrilha - sem liames estreitos com Estados, portanto desapegados da tradicional idéia de territorialidade.
Com a saída do titular da Defesa, haveria, em tese, condições políticas mais propícias para encaminhar-se uma proposta ao Congresso sem a rigidez inicial, visto que a vinculação ao seu formulador original arrefeceria, e, conseqüentemente, poderia chegar-se a um consenso entre os dois poderes ou, na prática, entre os dois partidos.
Contudo, o ocaso de Rumsfeld resultou, na avaliação da Casa Branca, de uma execução, não formulação, falha no Iraque. Deste modo, não há a intenção de alterar-se o norte neoconservador, como se observa em relação à postura presente em face do Irã. Assim, na visão do Partido Democrata, o dogmatismo político está ainda em curso, o que dificulta o estabelecimento de medidas alternativas.
Se a história pudesse providenciar, de fato, auxílio à reflexão política, o presidente George Bush deveria debruçar-se sobre o comportamento do presidente Lyndon Johnson diante da Guerra do Vietnã. Após a exoneração do secretário de Defesa, Robert McNamara, Johnson reconheceria, ainda que não imediatamente, a ausência de perspectiva de vitória militar no curto prazo.
Diante do embaraço, tomaria as primeiras medidas com vistas a alterar o rumo na condução do conflito. Mesmo assim, o impacto delas seria insuficiente perante o eleitorado norte-americano e o Partido Republicano voltaria ao poder depois das eleições presidenciais de 1968. Deste modo, é possível que a inação de Bush decorra do fato de não mais entrever perspectiva alguma de vitória para a sua agremiação no pleito presidencial de 2010.
Virgílio Arraes é professor de Relações Internacionais na UnB.
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