Estados Unidos: balanço desanimador da política externa de Obama
- Detalhes
- Virgílio Arraes
- 31/03/2010
Em pouco mais de um ano após assumir a Casa Branca, os democratas concentram-se com êxito até o momento na aprovação parlamentar da reforma do sistema de saúde, proposta rejeitada por setores mais conservadores, em especial os agrupados em torno do ‘Partido do Chá’. Posicionamento incompreensível tendo em vista que quase 50 milhões de americanos não desfrutam de um plano médico regular.
Paradoxalmente, de acordo com uma estimativa do próprio Congresso, se tornada lei, a mudança proporcionaria ao governo americano uma redução do déficit com o setor médico de quase 150 bilhões de dólares ao longo de uma década. Nos anos seguintes, as despesas reduzir-se-iam ainda mais.
Enquanto isso, as pendências na política externa avolumam-se, tendo em vista a incorporação, mesmo involuntária, da ‘herança maldita’ do governo Bush: o presídio de Guantánamo ainda funciona, apesar da promessa de deixá-lo inoperante até o início de 2010.
A sua desativação seria o primeiro passo para medidas mais ousadas, conectadas ao encerramento de outros cárceres, situados em vários países aliados, tristemente apontados como centros heterodoxos de interrogatório com técnicas extremas de investigação.
No Iraque, prevê-se inicialmente para agosto de 2010 a retirada do grosso dos contingentes – restariam como força de estabilização 50 mil efetivos. Todavia, é possível que se estenda o prazo de permanência, tendo por justificativa a incapacidade, mesmo temporária, do governo iraquiano de combater a insurgência.
No Afeganistão, a redução de tropas nem sequer foi cogitada, sob a desculpa de que a Al-Qaeda e o Talibã ainda se movimentam com desenvoltura, ao circularem até mesmo no território de um país próximo e aliado do Ocidente: o Paquistão. Diante disso, desenrola-se um novo conflito: a guerra afegã-paquistanesa – em inglês, abreviada como AfPak War.
Novamente, em vez da aplicação de instrumentos diplomáticos, utiliza-se o emprego da força, via o uso de aviões não tripulados, por exemplo, não obstante a pouca repercussão política do Talibã perante a população paquistanesa. Assim, contribui-se para ampliar o repúdio à presença norte-americana na região e, paradoxalmente, fortalece-se o integrismo local.
Uma das áreas em que se robustece o fundamentalismo é a Caxemira, ponto intenso de atrito entre Nova Déli e Islamabad. Esta manifesta simpatia aos grupos radicais caxemiros, enquanto aquela intensifica a repressão, notadamente após os atentados terroristas a Bombaim/Mumbai. Desta forma, o governo afegão inclina-se atualmente ao indiano ao passo que os talibãs ao do Paquistão, por causa da proximidade política na fronteira.
Um encaminhamento possível para distensionar a região seria um plebiscito, monitorado pela comunidade internacional, para decidir o futuro do território: indiano, paquistanês ou simplesmente independente. Todavia, Washington estimula Nova Déli a ser um contraponto no continente asiático a Pequim, de maneira que se impeça toda sorte de debate em torno do status político da Caxemira.
Nas cercanias do Oriente Médio, não se melhorou o relacionamento com o mais polêmico dos países de lá: o Irã. Os Estados Unidos continuam a valer-se de uma postura de força, materializada na ameaça econômica, no caso o boicote.
Note-se que a questão iraniana foi um dos principais itens da pauta de Hillary Clinton em sua passagem pelo Brasil há poucos dias, em decorrência da preocupação com a política nuclear do controverso presidente Mahmoud Ahmadinejad.
Exatamente por causa de Teerã, Washington justifica o seu projeto de instalar um sistema de mísseis em países da Europa Oriental – cujas gestões sejam exageradamente filoamericanas -, com o suposto fito de defendê-la de um dos membros do antigo Eixo do Mal.
Por fim, não se assiste até o momento ao desmonte da estratégia da chamada Guerra Global ao Terror, apesar da retórica de distensão. Na prática, houve a substituição do nome tão-somente: Operações de Contingência Ultramar.
Desta maneira, a gestão Obama reitera a percepção de que a política bélica é a de Estado, transcendente ao revezamento partidário de republicanos e democratas.
Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.
{moscomment}
Comentários
Assine o RSS dos comentários