Estados Unidos, em despropósito saudosista, reciclam lógica da Guerra Fria
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- Virgilio Arraes
- 04/02/2011
Em discurso ao Congresso há poucos dias, o presidente Barack Obama dirigiu-se à população e mencionou a possibilidade de ingresso em um novo momento na história do país: a segunda geração Sputnik, alusão à corrida espacial no final dos anos 50 quando os soviéticos estiveram à frente, ao lançar o primeiro satélite.
Naquela altura, a disputa ideológica completava a primeira década. A partir de então, os avanços no setor espacial seriam importantes fatores de propaganda na divisão bipolar. A ida à Lua em julho de 1969 auxiliou a minorar a visão negativa da opinião pública mundial sobre os Estados Unidos, embaraçados por causa do duradouro conflito no Vietnã.
A superação da vantagem russa foi somente possível em alguns campos graças ao constante investimento efetivado pelo governo, por meio do Departamento de Defesa e posteriormente também pela Agência Espacial Norte-Americana (NASA), após parceria com a iniciativa privada, medida que fez da Califórnia a área mais próspera dos Estados Unidos.
Com a descoberta do chip, a economia de escala obtida permitiu reduzir os custos de tal modo ao longo dos anos que calculadoras e depois computadores popularizar-se-iam de maneira acelerada, por exemplo, e auxiliariam materializar à sociedade outros benefícios da revolução microeletrônica - como a internet, de início, no setor público e nas universidades - jamais alcançados pela União Soviética.
No entanto, um dos efeitos negativos desde aquele período tem sido a crescente presença na política das corporações militares, com projetos dispendiosos, aprovados diuturnamente pelo Congresso, sob justificativa de garantir a segurança da população contra comunistas no passado e contra terroristas fundamentalistas atualmente.
Advogam os defensores da sociedade militarista que, por causa da parceria entre governo e grandes companhias, não há desafiantes ao poderio global do país depois do fim da Guerra Fria. Todavia, a mesma ausência de contendores já teria possibilitado à Casa Branca direcionar parte dos recursos ao bem-estar da própria população, a mais desassistida entre todas das potências norte-atlânticas.
Não há justificativa para sustentar um orçamento tão significativo ao Departamento de Defesa, bem superior ao da época da bipolaridade. Nem China, nem Rússia aspiram a ser os antagonistas da era pós-Guerra Fria, com atuação política em todo o planeta.
No máximo, elas idealizam influenciar suas áreas fronteiriças, o que por si já desemboca em um caudal de problemas e, por conseguinte, traz consigo muitas preocupações, dado o número de potências atômicas envolvidas. Portanto, não há no momento condições para que elas estruturem sua atuação mundialmente.
Concernente ao fundamentalismo islâmico, ele alimenta-se parcialmente da presença norte-americana na região norte-africana e na médio-oriental. Caso os Estados Unidos se deslocassem de lá de maneira gradativa, a manifesta prevenção contra o país se reduziria.
Não há mais sentido em permanecer lá, visto que a fundamentação da Doutrina Carter invalidou-se e tornou-se assim um resquício desnecessário da Guerra Fria, uma vez que não há no horizonte nenhuma possibilidade da invasão de país do Oriente Médio por grande potência, com o objetivo de controlar recursos petrolíferos.
Diante do exposto, os Estados Unidos ruem administrativamente por si, sem influência extrínseca significativa – processo experimentado pela finada União Soviética, ao ajoelhar-se diante do Ocidente durante a gestão Gorbachev. A capitulação russa sem confronto militar direto seria inédita na história.
Desta vez, o inauditismo ao processo da corrosão interna é a ausência de um adversário provocador, ansioso por substituí-lo em sua antiga área de influência como havia sido a peleja amero-soviética. Sem um real adversário à altura, o processo de decadência pode estender-se por tempo maior, embora seja irreversível se mantido o atual curso.
Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.
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