Brasil e Oriente Médio: a busca da parceria adequada
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- Virgilio Arraes
- 25/02/2011
O Brasil é um dos países da América Latina mais próximos política e economicamente do Oriente Médio, que se estende do Egito ao Irã, de acordo com a abrangência geográfica adotada pela Organização Mundial do Comércio.
Desde a segunda metade do século XIX, os contatos são estreitos, por causa da imigração constante. A comunidade sírio-libanesa do Brasil é a maior do mundo, com cerca de 10 milhões de descendentes. A judaica é uma das maiores das Américas, próxima de meio milhão de descendentes. Ambas são plenamente integradas à sociedade brasileira.
Além do atual vice-presidente da República, há no mínimo três ministros com ancestrais na região médio-oriental – Educação, Minas e Energia e Controladoria-Geral. Ao menos seis dos 27 governadores são de ascendência árabe ou judaica. Em 1985 e 2006, dois candidatos de origem árabe terminaram a eleição presidencial em segundo lugar.
No entanto, a antiga proximidade cultural não se materializou em relações políticas ou econômicas mais intensas ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX. Nos últimos anos, houve a tentativa de acentuar ainda mais os laços com aquela área.
Ainda assim, desde o início da Guerra Fria, o Brasil envolveu-se diretamente com a região, sendo um dos países favoráveis à partição da Palestina em dois Estados, de acordo com a elaboração da Organização das Nações Unidas, em novembro de 1947. No ano seguinte, Israel seria estabelecido.
O representante brasileiro, Oswaldo Aranha, foi fundamental para a aprovação da resolução, por ser o presidente da Assembléia Geral. Ao perceber que a proposta seria derrotada, por não atingir 2/3 dos votos dos delegados presentes, ele adiou a votação por mais de uma vez, a fim de viabilizar a mudança de posicionamento. Argentina, Chile e México abstiveram-se na votação.
Na década seguinte, o Brasil integrou a primeira missão de paz das Nações Unidas, efetivada no Egito por conta da crise de Suez – a United Nations Emergency Force (UNEF). Sugerida pelo Canadá e acatada pela Secretaria-Geral das Nações Unidas, ela situou-se na península do Sinai, no Egito. O país foi um dos primeiros a prontificar-se ao auxílio. Assim, ele contribuiu entre 1956 e 1967 com o envio de 20 contingentes, com cerca de 6 mil militares.
Em decorrência da Guerra Árabe-Israelense, de 1948-49, o Brasil eqüidistou-se dos países médio-orientais até 1973, ao não assumir posição favorável a nenhum dos lados, em função de interesses políticos e econômicos globais – petróleo principalmente. Desta forma, o país não se afastou dela. Como confirmação de tal postura, o ministro das Relações Exteriores visitou tanto o Egito como Israel em 1973.
Após a Guerra do Yom Kippur, de outubro de 1973, vários membros da Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo decidiram retaliar países ocidentais - considerados no geral como aliados de Israel ou dos Estados Unidos - não de modo militar, mas econômico. Ao embargar a venda do petróleo, os preços lentamente subiram e provocaram o chamado Primeiro Choque do Petróleo.
O Brasil decidiu no médio prazo diversificar sua matriz energética – hidroelétrica, nuclear e biocombustível –, mas, no curto, buscar assegurar o fornecimento contínuo do petróleo, haja vista quase 80% do produto vir de fora, particularmente daquela região.
Assim, se aproximou mais do Oriente Médio por pragmatismo. No início de 1974, o país passou a expressar publicamente seu apoio à autodeterminação dos palestinos; sem ela, não haveria definitivamente paz na região.
A evolução do posicionamento diplomático do Brasil no tocante à pauta árabe chegou ao máximo quando o país apoiou em outubro de 1975 na Assembléia-Geral das Nações Unidas a resolução 3379 que igualava o sionismo ao racismo e à discriminação. Argentina e Chile abstiveram-se e o México votou a favor também.
Com esse posicionamento, o Ministério das Relações Exteriores esperava a manutenção regular do fornecimento de petróleo e a captação, a juros mais baixos, dos petrodólares, com o objetivo de manter o ritmo dos investimentos em infra-estrutura – a construção da usina de Itaipu, a maior hidroelétrica do mundo, e a de Angra, nuclear.
Ao mesmo tempo, o Brasil ampliou seu relacionamento diplomático com a região, ao abrir dez novas embaixadas. A expectativa era ampliar as exportações - através principalmente de café, açúcar e frango - medida necessária para obter dólares e financiar a importação de petróleo.
Em pouco mais de uma década, o percentual do total exportado para aquela região dobrou: de 3% de 1973 para 6% em 1985. Nesse mesmo ano, a dependência do Brasil concernente ao petróleo externo caiu para cerca de 40%.
De todos os países com os quais o Brasil negociou nos anos 70 e 80 na região, o mais intenso foi com o Iraque, após Arábia Saudita e Egito, com parcerias comerciais mais sofisticadas como armamentos, tecnologia nuclear, construção civil etc. em troca sempre de petróleo – parte da demanda de Bagdá devia-se à Guerra Irã-Iraque (1980-88).
No início da década de 90, a configuração política e econômica do globo mudou de modo radical: a divisão bipolar havia se encerrado e o preço do petróleo abaixado bastante. Diante da nova realidade, o Brasil reconfigurou sua atuação externa, ao aproximar-se mais dos Estados Unidos e afastar-se mais de tradicionais parceiros no Oriente Médio.
Assim, quando o Iraque invadiu o Kuwait em agosto de 1990 o Brasil distanciou-se de um de seus principais aliados econômicos naquela parte do mundo. O afastamento seria reiterado, após o embargo comercial estabelecido pelas Nações Unidas - em 2003, o Brasil posicionou-se inicialmente contra a invasão do Iraque pelos Estados Unidos. Nos dois casos, a postura do Brasil amparou-se na autodeterminação e no juridicismo, princípios caros à política externa do país.
No entanto, apesar do avizinhamento com os Estados Unidos, o país manteve o apoio à autodeterminação palestina, ao conceder inclusive em 1993 a representantes daquele povo o status diplomático, através da Delegação Especial Palestina.
Ao mesmo tempo, posicionou-se a favor do envolvimento internacional para o encaminhamento da questão israelo-palestina, tendo o país - o único convidado da América do Sul - participado com uma missão de alto nível da Conferência de Paz de Annapolis (EUA), em 2007.
A meta do Brasil tem sido a execução da solução dos dois Estados, mas de modo que se possibilite à futura Palestina autonomia realmente política, econômica e técnica e se assegure maior estabilidade àquela região.
Paralelamente, em dezembro de 1991, vários países, entre os quais Brasil, Argentina, Chile e México, patrocinaram uma resolução na Assembléia-Geral das Nações Unidas – a futura 4686 – com a finalidade de anular a resolução 3379.
Nos últimos anos, o interesse maior do país no Oriente Médio se justificou em função exatamente da proximidade cultural com a região. Assim, a diplomacia passou a atuar além dos foros multilaterais, ao concentrar-se mais nos contatos bilaterais. Com a identidade cultural parcial, o país teria credenciais políticas para atuar como mediador lá.
Do ponto de vista simbólico, o governo Lula intensificou os contatos, ao visitar Egito, Líbano, Síria, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Catar, Israel, Territórios Palestinos e Jordânia, sendo nesses últimos a primeira viagem de um dirigente brasileiro desde o final do século XIX. Ao mesmo tempo, a reciprocidade confirmou-se, ao receber o Brasil visitas de dirigentes do Líbano, Irã, Síria, Palestina, Jordânia, Israel, Catar e Kuwait.
Do ponto de vista comercial, o relacionamento com o Oriente Médio cresceu bastante: de quase 2,5 bilhões de dólares de produtos exportados em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, para 10,5 bilhões de dólares em 2010, último ano do governo Lula. A diferença do total exportado entre os dois governos é significativa: de 60,5 bilhões de dólares em 2002 para quase 202 bilhões de dólares em 2010.
A título de exemplo, no mesmo período, as exportações com destino a Israel foram de pouco mais de 100 milhões de dólares para quase 350 milhões; com o Irã, de quase meio bilhão de dólares para pouco mais de 2 bilhões de dólares. Lá, há uma importante parceria petrolífera desde 2003. Por último, com o Egito a melhora foi também expressiva; de pouco menos de 400 milhões de dólares para quase 2 bilhões de dólares.
Quanto ao Irã, é necessário um breve apontamento sobre a questão do aparentemente estreito relacionamento político com o país. Nos anos 70, a Argentina havia ajudado os persas a desenvolver seu programa nuclear, tendo em vista que eram dois governos com regimes muito conservadores – ditadura militar e monarquia absolutista respectivamente. A Revolução Iraniana (1979) e a Guerra Irã-Iraque (1980-88) afastaram o país da esfera ocidental.
Em 2010, Brasil e Turquia, membros não permanentes do Conselho de Segurança, esforçaram-se para enquadrar de maneira pacífica o programa nuclear iraniano. A proposta resumia-se ao envio de urânio desse país à França e Rússia para enriquecimento em 20%, grau suficiente para utilização civil.
O objetivo imediato foi o de evitar novo conflito naquela região, bastante extenuada por conta de dois outros, a Guerra do Afeganistão e a Guerra do Iraque. O de longo prazo seria transformar a região em área livre de armas nucleares.
Especula-se que o apoio ao Irã também representaria indiretamente a defesa do programa nuclear brasileiro, voltado para fins pacíficos, porque somente três países possuem ao mesmo tempo capacidade de enriquecer o urânio e reservas vultosas: Estados Unidos, Rússia e Brasil. Destarte, o país busca assegurar para si parte de um mercado extremamente lucrativo.
Em suma, as relações do Brasil com o Oriente Médio intensificaram-se no século XXI, ao superarem o aspecto comercial. Em virtude da conexão cultural, a diplomacia brasileira ofereceu-se como mediador político, ao apresentar à região médio-oriental e mesmo ao mundo o exemplo da convivência pacífica entre as duas principais comunidades de lá: judeus e árabes.
Ao mesmo tempo, ela ratifica a tradição da política externa, firmada desde a primeira metade do século XIX no seguinte tripé: autodeterminação dos povos, pacifismo e juridicismo, ou seja, o respeito ao direito internacional.
Por fim, as acanhadas críticas do Brasil à questão dos direitos humanos na área médio-oriental derivam de uma tradicional cautela diplomática; ao não expor a situação lamentável dos outros em comunicados à imprensa global ou em fóruns internacionais, o país busca preservar a si mesmo, uma vez que seu histórico na matéria não é dos mais abonadores.
Para tanto, basta observar, entre outros exemplos, o posicionamento do governo atual e dos predecessores no tocante à validade da polêmica Lei da Anistia, de 1979, em vista dos possíveis desdobramentos na apuração de crimes conectados à tortura e na eventual punição de seus autores.
Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.
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