Oriente Médio: esfumaçamento da via democrática
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- Virgilio Arraes
- 26/04/2011
Meses após as primeiras manifestações populares no norte da África, o balanço preliminar é decepcionante, se o objetivo almejado for a implementação da democracia. Na realidade, os protestos ocasionaram a oportunidade para aflorar antigas disputas de poder entre grupos políticos naquela região, apoiados sempre por oficiais das forças armadas.
Da faixa norte-atlântica, acompanha-se com atenção o desdobramento das movimentações, mas a preocupação centra-se em outros pontos: estabilidade política, manutenção da produção e do fornecimento de petróleo e de gás, controle da circulação da população local - a União Européia, em especial, Itália, França e Alemanha, não deseja mais receber imigrantes em grandes quantidades, ainda mais sob a rubrica de refugiados.
Há um último ponto importante para as grandes potências, de menor importância nos dias atuais diante da intensidade da crise: a segurança dos fluxos turísticos de lá, notadamente no Egito, ao incluir a presença de milhões de pessoas de todos os continentes, por conta da tradição religiosa, baseada no Antigo Testamento, e por causa da curiosidade relativa à egiptologia, materializada de modo popular nas pirâmides.
Diferentemente do período da Guerra Fria, a classe média ocidental não deseja mais arcar, sob aumento de impostos, com custos externos a seu cotidiano, isto é, os relacionados com questões humanitárias – de modo geral, emigrantes perseguidos por divergência política, étnica ou religiosa. A crise mundial de 2008 apenas incrementou o posicionamento pragmático. À guisa de exemplo, observe-se a perspectiva de crescimento eleitoral da extrema direita na França, através da Frente Nacional, tendo por um dos lastros a oposição à presença de estrangeiros.
Assim, imagens da chegada precária de norte-africanos a portos italianos não sensibilizam mais a sociedade, agastada sobremodo com seus próprios problemas – desemprego crescente, tempo maior de contribuição para aposentadoria, piora do sistema de saúde, desilusão com o sistema político, entre outros aspectos.
Apesar da retórica a favor da transformação sociopolítica, Washington e Bruxelas não aspiram a modificações profundas naquela área: na prática, tolerar-se-iam as substituições de dirigentes, desde que a modernização política efetivada por eles seja superficial – o espectro da Revolução Iraniana, de 1979, ainda assombra a elite norte-americana.
Democracia e direitos humanos incorporam-se ao discurso de forma definitiva, porém ambos serão tratados no dia-a-dia sem ênfase alguma. Assim, a travessia do deserto nunca se completa, visto que se aceita somente uma lenta evolução rumo a uma melhora social.
Ainda que o recurso ao estado de sítio seja posto de lado e a adoção de um Judiciário formalmente independente se institua, o autoritarismo deve prevalecer, uma vez que o poder real continuará concentrado em duas burocracias do Executivo: forças armadas e agência de espionagem/ inteligência, esta normalmente vinculada diretamente ao presidente ou ao primeiro-ministro.
Embora as primeiras tenham mais prestígio, por conta de sua participação no período de independência na região, as forças policiais secretas adquiriram com o tempo enorme poder e contatos mais próximos com os civis. Todavia, é comum a escolha de oficiais do generalato para comandá-las, de sorte que ambas as instituições imbricam-se.
Na economia, há a vontade ocidental de alteração deveras, ao pregar-se a adoção incontinente do neoliberalismo, a despeito de seu inteiro malogro no globo, reconhecido de maneira velada até por organizações como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. Eis o atual paradoxo das elites norte-africanas e médio-orientais:
O perfilhamento econômico imediato das diretrizes ultraliberais pode significar um lento calvário no poder e, por conseguinte, sua queda, a partir do descontentamento inexorável da sociedade local. Por outro lado, sua recusa em aceitá-las pode desencadear forte pressão também por sua saída, porém advinda dos países euro-americanos e, em menor escala, de corporações multinacionais e até mesmo de organismos internacionais.
Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.
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