Estados Unidos: o posicionamento ambivalente diante do comércio de armas
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- Virgílio Arraes
- 06/02/2013
Ao ser empossado pela segunda vez em 20 de janeiro último, Barack Obama não indicou a possibilidade de alteração significativa no norte do governo, a não ser diante de extrema pressão popular. No intervalo entre a eleição e a posse, houve o assassínio de vinte estudantes e seis educadores por um desequilibrado em uma escola fundamental no interior de Connecticut.
Diante disso, a Casa Branca propôs, via projeto de lei, restrições à venda de armamento mais pesado à própria população. Contudo, houve a preocupação de mostrar que o presidente não seria de maneira alguma adversário do setor armamentista, amparado, ao longo do tempo, na constante invocação da segunda emenda constitucional.
Questionado por segmentos conservadores se ele saberia ao menos manusear uma arma de fogo, sua assessoria de comunicação logo divulgou uma foto de agosto de 2011 em que ele aparece disparando uma em pratos na tradicional casa de campo da Marinha: Camp David.
Enquanto isso, a indústria de armas mantém de modo inexorável seu crescimento nas vendas, não obstante a continuidade da crise econômica mundial. Segundo o quase cinquentenário SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute), das cinco maiores vendedoras do globo, quatro são norte-americanas e uma, britânica. O relatório da entidade relativo a 2011 deve ser publicado até o final desse mês.
De fato, a manutenção das atividades bélicas dos Estados Unidos na área médio-oriental contribuiu para a sustentação do extenso setor armígero. Em junho de 2010, Obama trocou o comando do Afeganistão, ao substituir o general Stanley McChrystal, desgastado por causa de uma controversa reportagem sobre o conflito publicada na Rolling Stone.
Nela, atribuíram-se ao militar comentários desairosos sobre o andamento da guerra, após um ano de titularidade no país, apesar de não ter havido observações negativas sobre o presidente. No entanto, nem o vice, Joe Biden, nem o embaixador acreditado lá, Karl Eikenberry, foram poupados.
Naquele momento, a aliança norte-atlântica estava em xeque: holandeses, alemães, franceses e mesmo canadenses questionavam a necessidade de continuar o conflito diante da má vontade dos seus respectivos eleitorados ante a ausência de êxito – por exemplo, a malograda tentativa de retomada de Candaar aos talibãs. Em face do visível desinteresse europeu, McChrystal defendia com ânimo o envio de mais efetivos, a despeito dos custos.
A corrosão de comando foi tão significativa que a Casa Branca optou por preterir o lugar-tenente de McChrystal: David Rodriguez. Embora não tenha sido admitida oficialmente, a razão para a exoneração do oficial-general foi insubordinação.
Falto de experiência militar, Obama não quis aparentar pusilanimidade. Ademais, outras questões naquela época não imergiam como a política nuclear do Irã, o impasse entre israelenses e palestinos e a insatisfação da Arábia Saudita com a instabilidade da região.
O sucessor de McChrystal seria David Petraeus, mais tarde diretor da CIA, cujo prestígio advinha da liderança no Iraque por um ano e meio do comando da ampliação temporária de tropas no início de 2007. A ação terminou por proporcionar uma estabilização imediata, ainda que não fosse duradoura, nos arredores da capital iraquiana e da fronteira com Síria, Jordânia e Arábia Saudita.
Chega-se ao primeiro semestre de 2013 com a guerra do Afeganistão sem possibilidade de encerrar-se, devido principalmente à insistência de Washington. Londres mesma, governada pelos conservadores, anunciou sua retirada até 2015. Com quase quinhentas bases em solo afegão, a logística da atual coligação norte-atlântica não é barata.
Destarte, há uma situação paradoxal: internamente, o governo tenta dificultar o comércio de armas, porém mantém-no no plano externo, ao não desistir das duas confrontações em andamento.
Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.