Estados Unidos e Síria nos anos 90 – o avanço norte-americano no Oriente Médio
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- Virgilio Arraes
- 17/01/2014
Antes mesmo do encerramento da Guerra Fria, na virada da década de 80, a Síria precisou a contragosto reposicionar-se no intricado tabuleiro de xadrez médio-oriental, em decorrência da abrupta alteração política de seu mais importante aliado naquele momento, a União Soviética, desgastada por conta de sérios problemas internos, que resultariam de maneira inexorável na sua extinção em poucos anos.
A aproximação de Damasco com Moscou havia sido fundamentalmente estimulada por um fator externo, ocorrido no final dos anos 70: o estreitamento político entre o Cairo e Tel-Aviv – sob a supervisão de Washington – materializado na devolução progressiva da desértica península do Sinai àquele até 1982.
O relacionamento diplomático entre Síria e União Soviética não era naturalmente ideológico, a despeito da origem secular e socialista do Partido Baath durante o processo de descolonização afro-asiático. Os pontos comuns entre os dois haviam sido o militar e o geopolítico.
No tocante ao primeiro item, interessava aos soviéticos tornar seus aliados sírios o contraponto aos sauditas e israelenses, amparados pelos norte-americanos, em termos de sofisticação tecnológica no segmento bélico. Na prática, o país propagandearia a eficiência dos produtos russos naquela vasta região.
Quanto ao segundo, cobiçava a União Soviética manter-se firme no Oriente Médio e cercanias, ainda mais depois da ocupação do Afeganistão em fins de 1979 e dos reajustes expressivos ao longo da década de 70 do petróleo.
Dois anos após a mal executada política de abertura da União Soviética, o Kremlin comunicou a Tishreen que não seria mais possível manter a parceria militar no mesmo patamar, apesar de a conjuntura regional ser favorável à Síria, em vista do andamento prolongado da Guerra Irã-Iraque e da queda do preço do petróleo, o que afetava vários aliados dos Estados Unidos naquela área.
Sem o necessário apoio de Moscou, em fase de desintegração do regime comunista, Damasco teve de buscar alternativas locais diante do novo arranjo de alianças a partir de Washington. Nos anos 90, este conseguiu coordenar, ainda que temporariamente, o convívio entre Ancara, Tel-Aviv e Amã – uma ‘quádrupla aliança’.
Diante da configuração, a Síria tentou aproximar-se do Iraque e posteriormente do Irã, países bastante desgastados perante a opinião pública internacional. Sem um aliado de peso, ela temia ter de se retirar do Líbano, em cujo território estava desde 1976 e onde era acusada de coligar-se com um dos grupos políticos mais radicais do Oriente Médio: o Hizbollah. Por fim, o governo sírio subscreveria a opção iraniana.
O distanciamento concernente à União Soviética na parte final dos anos 80 não lhe assegurou melhoria duradoura na relação com potências ocidentais, notadamente com os Estados Unidos. Na primeira década do pós-Guerra Fria, o Departamento de Estado, em função de eventual apoio a uma operação frustrada de explodir um avião em Londres em 1986, ainda mantinha a classificação negativa do país, apesar de duas medidas bem acolhidas pelo Ocidente: a expulsão em 1987 do palestino Abu Nidal, fundador da Fatah, que migraria para a Líbia; e a participação na ampla coligação militar ao lado dos Estados Unidos contra o Iraque, na I Guerra do Golfo (1990-91).
No ano seguinte, o país acolheria a sugestão norte-americana de negociar de forma bilateral com os israelenses, em face da possibilidade de recuperar as colinas de Golã – território por paz sob a perspectiva de duas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (242 e 338). Até então, os sírios criticavam os egípcios pela escolha desta alternativa. De todo modo, as tratativas não prosperariam.
Mesmo com o recuo político de Damasco nos primeiros anos da década de 90, Washington não se satisfez e aumentaria a pressão sobre o governo sírio, ao abordar a questão dos direitos humanos. A visão da Casa Branca, através da Conferência dos Direitos Humanos em 1993, era a de que não se deveria tolerar nenhuma forma de relativismo – cultural, política ou religiosa.
Assim, a Síria comporia com a China, Irã, Coréia do Norte, Indonésia, Colômbia e Cuba, em tese, o quadro mais negativo nesse campo. Todavia, devido à importância econômica chinesa, política indonésia e militar norte-coreana e colombiana, a política externa estadunidense paradoxalmente relativizaria o tratamento a eles.
Destarte, as relações entre Síria e Estados Unidos permaneceriam ao longo dos 90 infrutíferas.
Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.