O desafio da retirada estratégica
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- Wladimir Pomar
- 20/02/2015
O PT e, em geral, a esquerda, parecem não haver se dado conta de que a vitória eleitoral de Dilma foi, ao mesmo tempo e contraditoriamente, uma profunda derrota política. A ausência de uma avaliação adequada a respeito tem conduzido o PT e os demais partidos que contribuíram para a derrota eleitoral de Aécio, assim como o governo Dilma, a ações erráticas e a novas derrotas políticas, seja no próprio campo político, seja nos campos social e econômico.
Em sentido contrário, as forças conservadoras e reacionárias perceberam logo a profundidade daquela derrota. E estão operando rápida e eficazmente para explorar o terreno e avançar em seu programa de retomada total do poder. O que inclui reformas políticas em sentido inverso àquilo que as ruas exigiram e ao que as forças democráticas e progressistas demandaram, assim como mudanças importantes na política externa, conforme sugeridas por subordinados aos impérios estadunidense e europeu, como FHC etc.
Conservadores e reacionários aproveitam-se do escândalo da corrupção na Petrobras, e do ajuste fiscal proposto pelo governo, para contrapor-se ao financiamento público das campanhas eleitorais, sob o argumento de que o dinheiro público não deve ser gasto com políticos. Apresentam-se como defensores dos recursos públicos ao exigir que as empresas envolvidas na corrupção das obras da Petrobras sofram as consequências dos atos cometidos por seus diretores, acusando o governo de tentar proteger aos corruptores ao pretender que tais empresas continuem realizando as obras para as quais foram contratadas. E procuram tirar o máximo proveito dos erros políticos relacionados com a proposta de um ajuste fiscal que atinge exclusivamente aos trabalhadores.
Essa direita conservadora e reacionária, uma parte da qual faz parte da coalizão de governo, não pretende apenas enquadrar o governo Dilma e pautar suas ações. Ela pretende recuperar toda a autoridade e privilégios, dos quais se viu momentaneamente em risco com a subida do PT ao governo. E também reformar as estruturas do Estado e a própria sociedade brasileira no sentido de evitar que algo idêntico a um governo democrático e popular volte a se repetir, e que a democracia seja total e unicamente entendida como o direito de votar.
Tendo como vantagem sua esmagadora maioria parlamentar, essa direita pode dar-se ao luxo de implementar, “de forma democrática”, todos os retrocessos programados, aí incluindo o fim do sistema de partilha na exploração do pré-sal, e a retomada das privatizações de estatais, conforme exigido pelas grandes corporações americanas e europeias. E, pode até mesmo impor um impeachment à presidenta.
Diante de tudo isso, a reação do PT e de várias figuras públicas da esquerda tem sido de total descompasso com a realidade. O PT, em especial, incluindo sua parcela que está no governo, não acordou ainda para o grau de sua derrota política e para a necessidade de realizar uma retirada estratégica que o leve a reorganizar suas forças e ganhar tempo para os embates decisivos a que seus adversários querem levá-lo.
Reorganizar forças significa adotar uma série de medidas que, pelo menos, reforcem a capacidade da direção política, livrem o partido dos pontos fracos que o tornam alvo predileto dos ataques adversários, estabeleçam e difundam com vigor um programa de governo de defesa dos interesses populares, façam seus dirigentes e militantes se voltarem para o trabalho na base da sociedade, e adotem novas táticas contra a ofensiva da direita.
Não basta reconhecer os erros cometidos, como é o caso de dirigentes que se viram envolvidos em casos de corrupção. Esse envolvimento, de forma inocente ou não, tem causado prejuízos incalculáveis ao PT. Em tais condições, esses dirigentes, ao invés de viverem reiterando sua inocência, ou levantando o punho em sinal de luta, deveriam pedir desculpas ao povo brasileiro e à militância por haverem baixado a guarda e se deixado cair em armadilhas. E, sem vacilações, deveriam declarar-se desligados do partido até que sua inocência seja comprovada.
Na ausência de um ato de coragem como esse, o PT deveria tê-los afastado publicamente, para dar uma demonstração de que não compactua com a baixa da guarda diante da corrupção. No entanto, até mesmo em casos evidentes de envolvimento em práticas condenáveis, a direção do partido vacilou em adotar as medidas corretivas necessárias para deixar clara sua posição de princípio. O que o levou a ser crescentemente considerado, mesmo para grande parte dos que acreditavam e simpatizavam com ele, um partido igual aos outros.
Algo idêntico pode ser dito em relação ao atraso em reconhecer que o crescimento econômico via consumo estava esgotado e que era necessário passar urgentemente a um crescimento via investimentos produtivos na indústria e na pequena e média agricultura de alimentos para o mercado interno. O que já era evidente desde o início do primeiro governo Dilma e, não sendo atacado, em algum momento levaria a uma crise, como a que estamos vivendo agora.
O pior é que, ao invés de corrigir esse erro através da redução dos juros, da administração do câmbio, e da adoção de uma política de atração de investimentos externos destinados a adensar as cadeias produtivas industriais e da agricultura para o mercado interno, o governo preferiu adotar um ajuste fiscal que penaliza os trabalhadores e dá para a direita política, de bandeja, a defesa dos direitos trabalhistas.
Portanto, é urgente realizar um cavalo de pau, adotando um programa corajoso para sair da crise econômica, que começa a se transformar em crise social. Tal programa precisa ter como indicadores principais a defesa dos direitos e conquistas dos trabalhadores, a geração de empregos, os investimentos na indústria, a redução dos juros, e a administração do câmbio.
Inclui, ainda, a mobilização dos funcionários e trabalhadores da Petrobras e outras estatais para participarem do saneamento de suas empresas e fazê-las voltar a ter o papel estratégico que devem exercer no desenvolvimento do país. E precisa mobilizar milhões de pequenas e médias empresas para assumirem as obras que o oligopólio das empreiteiras corruptoras está sendo obrigado a deixar de lado. Tudo isso demanda intensificar as relações com os demais países da América Latina e do Caribe, agilizar as medidas acertadas com os Brics, e adotar políticas de negociação e proveito mútuo com os Estados Unidos e a União Europeia.
Paralelamente, talvez o PT necessite reformular sua proposta de reforma eleitoral, focando-a exclusivamente no fim do financiamento privado das campanhas eleitorais. Esta é a base da corrupção endêmica que coloca parlamentares a serviço de interesses privados. Mas a proposta de financiamento público abre a chance hipócrita de a direita identificar o financiamento privado com a “defesa do erário” e com o “combate à corrupção pública do PT”. Essa mudança tática pode ajudar o PT e a esquerda a mobilizarem camadas populares e democráticas para opor-se às reformas conservadoras e reacionárias em curso no Congresso.
Finalmente, mas longe de completar as mudanças a serem realizadas para reorganizar suas forças, o PT precisa fazer com que seus dirigentes e militantes voltem a estar indissoluvelmente ligados às camadas populacionais da base da sociedade. Nesse sentido, talvez seja o momento de retomar a obrigatoriedade de organização e participação em núcleos de base, e de tomar medidas para elevar seu nível de comunicação com as diversas camadas da sociedade. Um partido sem grupos e instrumentos de comunicação de massas é incapaz de disputar a opinião pública.
Também seria positivo proibir que “mandatos” parlamentares ajam como organizações de fato. E seria um exemplo salutar, mesmo não sendo uma exigência legal, que os deputados e senadores do PT não possam ser reeleitos por mais de dois mandatos sucessivos. Medidas desse tipo podem contribuir para que o PT retome uma relação mais equilibrada entre a luta social e a luta institucional, e certamente podem fazer com que comece a retomar o prestígio que perdeu nestes últimos anos.
Uma retirada estratégica desse tipo, como se pode notar, é uma das ações políticas mais complexas que um partido deve enfrentar para salvar-se quando é derrotado e precisa recuperar suas forças para não ser aniquilado. A história, mesmo a brasileira, está cheia de exemplos de partidos, de esquerda, de centro e de direita, que foram incapazes de realizá-la com sucesso e feneceram de diferentes formas.
O PT, após 35 anos de vida, parece estar colocado diante desse desafio. Talvez seus dirigentes e militantes devessem aprender algo da história para superar o presente transe. É o que novos e velhos militantes ainda têm alguma esperança de ver.
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Wladimir Pomar é analista político e escritor.