Sugestões para um projeto nacional
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- Wladimir Pomar
- 18/09/2015
O governo, sob a influência poderosa do sistema financeiro e do ministro Levy, e após levar um puxão de orelha de uma das empresas que se supõem deusas para decidir se um país pode ou não receber investimentos externos, resolveu adotar duas medidas que considera fortes para recuperar as contas do governo.
Primeira: cortar profundamente nos reajustes salariais do funcionalismo e, mais ainda, na carne dos programas sociais, alguns dos quais terão influência direta na queda ainda maior do crescimento econômico. Segunda: reeditar a CPMF, que arranca dinheiro de todo mundo, menos do sistema financeiro. Tanto é que os únicos setores nacionais e internacionais que reagiram favoravelmente ao imposto do cheque foram as bolsas de valores, os bancos e os rentistas.
É evidente que o governo poderia ter reeditado o imposto sobre lucros e dividendos, elevado o imposto sobre as rendas anuais superiores a 160 salários mínimos, aumentado o IOF sobre aplicações financeiras de curto prazo, acelerado as cobranças dos débitos relativos à sonegação de impostos e adotado medidas para a repatriação das aplicações ilegais em paraísos fiscais.
Mas isso atingiria o coração do sistema financeiro. E exigiria não só coragem política, mas também um trabalho efetivo de mobilização popular. Ou seja, talvez fosse pedir demais de gente que capitulou às ameaças das empresas financeiras que manipulam os graus de investimento. Isto, embora a vida tenha demonstrado que tais empresas não passam de fantoches para enganar incautos. Desde 1979, que se saiba, os vultosos investimentos na China e no Vietnã nunca levaram em conta as opiniões delas. E, desde 2008, elas mostraram ser totalmente incompetentes para prever desastres como os dos bancos norte-americanos que faliram.
De qualquer modo, as novas medidas adotadas pelo governo tendem a aprofundar a recessão, o desemprego e demais efeitos perversos sobre as camadas populares, as classes intermediárias e, também, sobre parcelas da burguesia. Prometer que a situação melhorará em 2016 ou 2017 não tem qualquer base de sustentação. Em outras palavras, do ponto de vista social e político, com essas medidas, o governo empurra sua base social para o outro lado e cria uma situação política ainda mais difícil.
Diante disso, mais ainda do que antes, à esquerda cabe unificar-se. Primeiro, na luta em torno de uma pauta negativa comum, contra o que de pior ameaça nosso povo e as liberdades democráticas. Depois, em torno de uma pauta positiva de curto prazo, a partir de um cavalo-de-pau na política econômica. Finalmente, com base nas duas, também mais celeremente do que antes, unir esforços na elaboração conjunta de uma pauta, ou de um projeto nacional de desenvolvimento. Um projeto que combine o fortalecimento do Estado, como instrumento indutor do desenvolvimento econômico, social e cultural, com a ação do mercado, como instrumento de cálculo econômico e da concorrência necessária ao desenvolvimento das forças produtivas e ao impedimento dos monopólios estagnantes.
Em termos gerais, portanto, um tipo de desenvolvimento que se distinga do nacional desenvolvimento ditatorial da era Vargas, do desenvolvimento liberal subordinado e dependente da era JK, e do desenvolvimento subordinado e dependente ditatorial militar. E, também, nos aspectos fundamentais, que se diferencie das tentativas, tanto keynesianas quanto social-desenvolvimentistas, de desenvolvimento capitalista puro.
Precisamos de um tipo de desenvolvimento econômico que tenha as empresas estatais como principais indutoras da política de industrialização, por um lado garantindo emprego para a esmagadora maioria da força de trabalho nacional e, por outro, utilizando diferentes formas de propriedade para adensar as cadeias produtivas e incorporar novas e altas tecnologias.
Em outras palavras, precisamos de uma política industrial em que as empresas estatais detenham os setores industriais e tecnológicos estratégicos, sem monopólios, e induzam as empresas privadas a operar tanto com as ferramentas das recentes revoluções científicas e tecnológicas, que descartam o emprego de forças de trabalho, quanto com as ferramentas das antigas revoluções industriais, que são intensivas em trabalho. A questão central reside em que, sem indústria forte, o Brasil não será capaz de livrar-se da subordinação e da dependência externa, não garantirá sua soberania nacional, nem as condições de emprego e trabalho para a maior parte de sua população.
Paralelamente, precisamos de uma política agrícola que combine a capacidade de exportação de commodities agrícolas com uma forte produção de alimentos para o mercado doméstico, e com uma política efetiva de proteção das matas das nascentes e margens dos cursos d’água, assim como da limpidez das águas. Ou seja, de uma política agrícola que, além da Embrapa, na área das pesquisas científicas e tecnológicas, possua outras empresas e fazendas estatais capazes de disseminar as inovações técnicas pelas micros, pequenas e médias unidades agrícolas, garantindo seu papel de principais produtores de alimentos e evitando sua expropriação pelas grandes produtoras de commodities.
A situação de caos que caracteriza a vida das grandes cidades brasileiras demanda, em articulação com as políticas industriais e agrícolas, uma política de profunda reforma da infraestrutura urbana. É nas cidades que vivem hoje mais de 84% da população, em grande parte massacrada por transportes precários, moradias de risco, ausência de saneamento básico, abastecimento irregular de água e energia, arborização insuficiente, insignificância de parques públicos e instalações educacionais, de saúde e de serviços gerais. A política de reforma da infraestrutura urbana pode e deve ser, assim, uma indutora da política industrial, já que demandará equipamentos manufaturados de diferentes tipos.
Algo idêntico precisa ser realizado na infraestrutura geral do país, que se tornou um monstrengo caro e dispendioso, ao dar prioridade aos transportes rodoviários, aniquilar o sistema ferroviário e a navegação marítima e fluvial, e sucatear os portos e aeroportos. Apesar das tentativas de modernização do sistema existente, a questão chave não foi atacada. Isto é, a necessidade de dar prioridade aos transportes por ferrovias, mar e rios, fundamentalmente por baratearem os custos.
Essa construção material e soberana do país necessita de capitais vultosos, que excedem seu atual capital acumulado. Isso acontece com vários outros países subdesenvolvidos, alguns dos quais estão tendo a experiência histórica de se aproveitar da atual situação do capitalismo desenvolvido. Este é impelido, cada vez mais, a exportar capitais para elevar sua taxa média de lucro, o que tem permitido a vários daqueles países subdesenvolvidos adotarem políticas soberanas de atração de capitais.
Esses países elaboraram guias específicos para a atração de capitais estrangeiros, vedando a atração de capitais especulativos, indicando onde os capitais produtivos devem ser aplicados, e por quanto tempo devem permanecer no país. Ou seja, permitem que seu produto nacional bruto seja inferior a seu produto interno bruto por algum tempo, mas criam as condições para reverter esse quadro à medida que as empresas estatais e privadas nacionais ganhem capacidade para competir com as empresas estrangeiras.
É evidente que políticas desse tipo, para se concretizarem, precisarão de políticas macroeconômicas de juros baixos, câmbio administrado, inflação sob controle e combate permanente e sem quartel contra a monopolização e contra a corrupção.
Por outro lado, é a implantação de uma política produtiva desse tipo que pode permitir um salto na elevação da renda dos mais pobres, assim como no processo educacional, na saúde, nos serviços públicos em geral e no meio ambiente. Só com grande geração de riqueza material será possível criar as condições necessárias para também dar um salto social e cultural e, sendo governo, com poderoso apoio social, realizar as reformas políticas democráticas que o país necessita.
A rigor, algo idêntico a um projeto desse tipo deveria ser o norte a guiar o governo Dilma. Não sendo, as disputas políticas dos próximos anos podem resultar tanto na vitória de uma aliança pela esquerda, de democratas, progressistas, socialistas e comunistas, quanto na vitória de uma aliança pela direita, de conservadores e reacionários. A vitória da aliança pela esquerda só terá possibilidade e sentido se for realmente para aplicar um projeto de desenvolvimento que contemple todos ou parte substancial dos itens e da ordem listados acima.
Já a vitória da aliança pela direita representará um retrocesso político, e fortalecerá o atual rumo neoliberal que, de recuo tático, passará a ser estratégia política e econômica, como ocorreu entre 1990 e 2002. Neste caso, a aliança da esquerda pode e deve continuar unida em torno do mesmo projeto estratégico, mas terá que mudar a ordem de sua implantação. A relação dialética entre a economia e a política se inverterá, impondo prioridade à luta pelas reformas políticas, embora as questões econômicas continuem pesando fortemente.
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Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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