Correio da Cidadania

A lei? Ora, a lei...

0
0
0
s2sdefault

 

 

 

A semana foi brindada com um novo festival de atentados às leis, promovido por agentes da justiça e da polícia, e badalados pelos mais influentes e destacados comentaristas políticos do Partido da Mídia.

 

Em outras palavras: telefonema da presidente da República para o ex-presidente Lula foi grampeado e divulgado pela Polícia Federal, inicialmente como ordem do juiz Moro, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Nenhum âncora das tevês teve o cuidado de apontar a ilegalidade do ato. O que lhes interessou foi a informação transmitida por Dilma a Lula, como se tal informação fosse um crime de lesa pátria.

 

Somente no final da noite do dia 16/03 surgiu a informação de que o juiz Moro ordenara à PF paralisar o grampo aos telefonemas de Lula, e que coube exclusivamente à PF a decisão de divulgar não só a conversa entre ele e a presidente, mas todas as demais gravações das conversas de Lula com outras pessoas.

 

Ou seja, o juiz deve ter se dado conta da total ilegalidade dos atos de gravação e divulgação do telefonema da presidente, o que o colocaria na situação de transgressor da lei (como aliás já havia ocorrido durante sua ordem de condução coercitiva de Lula), e jogou o pepino para a PF. Mesmo assim, The Globe não mudou a manchete que já havia preparado para a edição do dia 17/03: “Diálogo ameaça Dilma”.

 

Ou seja: às favas a lei! O que interessa é apontar ilegalidades nos outros, embora em geral não passem de suposições sem base legal alguma. O mesmo ocorre com os comentários dos jornalistas do Partido da Mídia sobre o teor das conversas de Lula. Também são uma demonstração de como eles encaram as leis, em especial o direito de defesa. Para eles é um crime que alguém busque elementos para construir sua defesa, que é o direito fundamental da cidadania.

 

De qualquer modo, a divulgação das conversações telefônicas de Lula com a presidente e com outras pessoas serviu de combustível para alimentar os panelaços dos bairros ricos de algumas cidades e as manifestações públicas contra a nomeação do ex-presidente como Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República. A suposição de que tal nomeação teve por motivação principal a mudança de foro da República do Paraná para o Supremo Tribunal Federal (STF) é a base principal das análises sobre a ida de Lula para o governo.

 

Ou seja, elas partem do pressuposto de que o STF é um foro conivente com atos pouco “republicanos” (virou moda dizer que o juiz Moro promove uma ação “republicana”, para justificar seus atropelos à democracia), o que blindaria Lula de uma ação efetiva contra seus “crimes”. Aliás, o ministro Gilmar Mendes, mesmo sendo integrante da corte suprema, brindou o público com o mesmo tipo de interpretação.

 

Como as “repúblicas” da história, pelo menos desde o império romano, também nos brindaram com regimes autocráticos, tirânicos e ditatoriais, cujas leis também eram do mesmo teor, talvez o realmente correto seja lutar por “ações democráticas”, tendo por base as leis democráticas, e não as suposições e os atos monocráticos, por mais “republicanos” que se apresentem.

 

De qualquer modo, Lula se tornou ministro e muita gente acredita que a nomeação dele pode revitalizar o governo Dilma, recolocar a economia no rumo certo, reagrupar a “base aliada”, e superar a presente crise. Sou daqueles que acredita que Lula seria mais útil para o Brasil, em especial para os trabalhadores e demais camadas populares, fora do governo, dirigindo o processo de retomada das lutas democráticas e populares e de reestruturação dos movimentos sociais e do Partido dos Trabalhadores.

 

Com Lula no governo, as camadas populares, os movimentos sociais e o PT podem acreditar que ele tenha o condão milagroso de resolver os problemas, e aconteça o mesmo que ocorreu durante seus mandatos na presidência. Isto é, pequeno ativismo das camadas populares, refluxo dos movimentos sociais, e desagregação interna do PT.

 

Neste último caso, com erros e desvios crassos, que geraram a crise de 2005, os “aloprados” de campanhas eleitorais, a aceitação de figuras como Delcídio do Amaral, e algo inenarrável como a ação do atual ministro da Educação para “ajudar” o senador meliante. O que, em termos gerais, impediu que houvesse avanço nas reformas estruturais demandadas pela sociedade brasileira.

 

No entanto, como sempre, apenas a prática será o juiz da razão. De qualquer modo, como a ofensiva conservadora e reacionária continua a pleno vapor, cabe a todas as forças de esquerda e democráticas mobilizar-se e mobilizar o máximo de pessoas para enfrentá-la e evitar que a República deixe de ser democrática e se transforme numa República autocrática. Essa mobilização tem como pressuposto a defesa da Constituição de 1988, embora ela ainda não seja a Constituição amplamente democrática que o povo brasileiro sonha. Portanto, não dá para admitir que fique impune o tratamento debochado de certos servidores públicos, políticos e jornalistas ante as leis.

 

 

Leia também:


‘Brasil derrete em meio a dois clãs em disputa pelo aparelho de Estado’

 

"Lula e o PT há muito se esgotaram como via legítima de um projeto popular"

 

Não é por Dilma e Lula

 

Lula ministro

 

"Lula e o PT há muito se esgotaram como via legítima de um projeto popular"

 

‘O governo está encurralado e dificilmente sairá do atoleiro em que se meteu desde o começo’

 

Crise política: o que fazer?

 

É possível a recuperação econômica na conjuntura atual?

 

Precisamos construir outro projeto de país, longe dos governistas

 

“A Operação Lava Jato ainda não deixou claro se tem intenções republicanas ou políticas”

 

“O Brasil está ensandecido e corre risco de entrar numa aventura de briga de rua”


Wladimir Pomar é escritor e analista político.

0
0
0
s2sdefault