Nossas dificuldades
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- Wladimir Pomar
- 16/06/2016
Embora o governo golpista esteja mergulhado em suas próprias contradições internas, e também sob uma crescente oposição popular e democrática, esta oposição também parece atrapalhada em avaliações e dispersões políticas, tanto de ordem tática quanto estratégica.
Tomemos como exemplo a política econômica. Parece haver um antolho teórico para fazer a crítica construtiva da orientação econômica dos governos Lula e Dilma. Por exemplo, ao avaliar o período Lula, é comum supor que ele foi marcado por uma mudança no padrão de crescimento econômico, com o fortalecimento do mercado interno, na suposição de que o mercado externo não teria condições de segurar o crescimento forte e prolongado.
Por outro lado, os mesmos que fazem a afirmação acima não se acanham em dizer que o processo de crescimento econômico do período Lula teve duas características. Primeiro, a realização de políticas distributivas, tendo como eixo principal a valorização do salário mínimo, cuja consequência foi a elevação da capacidade de consumo da população. Segundo, o crescimento do superávit comercial, com a valorização das commodities, como produtos agrícolas, minerais e petróleo, fazendo com que as cadeias produtivas desses produtos influenciassem fortemente os índices de crescimento econômico.
Em outras palavras, ao contrário do que afirmam, o mercado externo teve papel primordial para o crescimento econômico no período Lula. E, como tinha esse papel na política econômica então adotada, fez com que a economia nacional fizesse água quando a crise financeira e econômica mundial atingiu fortemente o mercado daquelas commodities. Nessas condições, o chamado “fortalecimento do mercado interno” do período não passou de uma quimera, justamente porque tinha o mercado externo de produtos agrícolas, minerais e petróleo como a base responsável para a realização das políticas distributivas.
Isto não significa que tenha sido errado ter aproveitado as condições favoráveis do mercado externo, entre 2003 e 2007, para melhorar a balança comercial e elevar as receitas. Errado foi não haver aproveitado tais condições para aplicar uma forte política de investimentos, direcionada principalmente para a reindustrialização, incluindo a produção de não-duráveis, e para a produção de alimentos para o mercado doméstico.
A ausência dessa segunda base, e também a persistência do governo Dilma na política anterior, fez com que a crise econômica mundial tivesse um forte impacto no modelo até então adotado. E as tentativas de mantê-lo, através de desonerações fiscais e outros paliativos macroeconômicos, só fizeram com que a situação fosse agravada. Problemas fiscais e inflacionários, assim como o aprofundamento da queda da produção industrial e a queda da arrecadação, tornaram-se as manifestações mais evidentes da fraqueza do modelo.
É certo que, em 2012, o governo Dilma procurou manter uma perspectiva de ampliação de investimentos, supondo poder implementar uma política econômica anticíclica. No entanto, as políticas para estimular a indústria, através das desonerações e do controle do preço da energia, mostraram-se ineficazes naquilo que era essencial no momento: elevar a produção de alimentos domésticos e de manufaturados não-duráveis, para evitar os surtos inflacionários e manter uma política firme de redução dos juros e administração do câmbio.
Sem aqueles resultados favoráveis na oferta, os surtos inflacionários do tomate, do quiabo, do pepino etc. etc. serviram como arma do sistema financeiro e do partido da mídia para impor ao governo o recuo na política de queda dos juros. Além disso, aumentaram as manobras do dólar, pressionando a valorização do real. Tiveram incremento a crise na indústria e o problema fiscal. E cresceu a ação dos setores hegemônicos da burguesia para paralisar os investimentos, liquidar a política de valorização salarial e reduzir as políticas sociais redistributivas.
A disputa econômica assumiu caráter político, sem que o governo se desse conta de que a questão chave residia em adotar políticas macroeconômicas diferentes das até então adotadas. Era fundamental: a) retroceder nas políticas de desoneração fiscal e de facilitação do capital, de modo a acelerar os investimentos públicos na agricultura alimentar doméstica e na industrialização; b) reduzir os juros, de modo a forçar que o capital se deslocasse do rentismo para a industrialização; c) administrar o câmbio de modo que os manufaturados ganhassem competividade no mercado internacional e ajudassem a manter um saldo positivo da balança comercial.
É evidente que essas medidas, para terem continuidade, teriam de ser acompanhadas da firme manutenção das políticas distributivas e da elaboração de um novo projeto de desenvolvimento econômico e social, no qual os investimentos na reindustrialização e na agricultura de alimentos domésticos deveriam merecer um planejamento de longo prazo pelo Estado.
Dilma só foi reeleita em 2014 porque se comprometeu com algo parecido. No entanto, o recuo do governo frente à pressão da burguesia hegemônica, no sentido de realizar o ajuste fiscal, conduziu ao aprofundamento da crise econômica, à perda do apoio de parte considerável de sua base social popular, aos desdobramentos da crise política e à situação atual que colocou a democracia, os direitos sociais e a soberania nacional em perigo de naufrágio.
Não tenhamos dúvidas: o governo golpista pode adotar um ajuste forte ou fraco; pode até fazer com que a economia cresça e retome algum emprego; a inflação pode até cair. Mas todos nós já passamos pela experiência neoliberal e sabemos aonde isso vai dar, com mais desnacionalização da economia nacional, mais pobreza e mais desigualdade econômica, social e política.
Por isso, e para tentar barrar o impeachment e concretizar o “Fora Temer”, é fundamental dizer ao povo brasileiro não só o que já está sendo e no que vai dar a continuidade do governo golpista. Para sair das nossa dificuldades é preciso, também, apresentar uma proposta de saída da crise econômica. O que, só será possível se acertamos as contas teóricas e práticas com os erros de projeto econômico e social praticados nos últimos 13 anos, e reformularmos tal projeto numa perspectiva de longo prazo.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.