Situação degradante e programa de luta
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- Wladimir Pomar
- 30/06/2017
Não deixa de ser interessante, mas preocupante, que as diversas frações das classes dominantes, antes unidas em torno da Operação Lava Jato como ponta de lança para a destruição política do PT, de Lula e da esquerda em geral, tenham afundado numa situação degradante e fragmentada. Todas pretendem ver aprovadas e executadas as reformas reacionárias, mas algumas tentam barrar as operações da Lava Jato que implicaram figuras como Temer, Aécio e mais de 100 ministros, parlamentares e figuras de proa do conservadorismo e reacionarismo caboclo.
Foi essa contradição que o julgamento do processo movido pelo PSDB contra a chapa vencedora da eleição presidencial de 2014 trouxe à tona. A rigor, o processo deveria ter sido anulado tendo em vista a total improbidade e imoralidade dos requerentes, em especial do presidente tucano e do ex-candidato Aécio Neves. No entanto, manteve-se a firula jurídica de desconsiderar a validade das confissões dos réus da Odebrecht, de modo a salvar Temer ao mesmo tempo em que colocaram Dilma no mesmo patamar do presidente golpista.
De qualquer modo, seja por isso, seja pela decisão golpista de realizar as reformas que golpeiam seriamente a vida dos trabalhadores e dos setores médios da população, seja ainda pela situação caótica da economia, continuam atuais as palavras de ordem propagandísticas de derrubada dos golpistas e corruptos do governo, a convocação de eleições diretas, a oposição às reformas reacionárias, a manutenção dos direitos trabalhistas e previdenciários e a defesa dos direitos democráticos da Constituição de 1988.
Porém, mais do que antes, as forças de esquerda estão convocadas a pensar e a agir numa perspectiva de médio e longo prazo. Primeiro porque a luta por Fora Temer! e Diretas Já!, tendo em vista a composição corrupta e reacionária do Congresso pode sofrer uma derrota idêntica à de 1984, fazendo com que entre na ordem do dia a luta pela manutenção das eleições de 2018.
Mantido o calendário eleitoral, independentemente da avaliação sobre seu governo, o nome de Lula está colocado como a opção mais forte para vencer tal disputa. Afinal, as pesquisas parecem comprovar que ruiu por terra a suposição de que o PT e o ex-presidente seriam cartas fora do baralho em virtude do envolvimento de Lula e de alguns outros dirigentes petistas em processos da Lava Jato. As camadas populares deram-se conta de que o golpe parlamentar visa, acima de tudo, liquidar as políticas sociais implementadas pelos governos petistas, e que a Lava Jato pretende impedir Lula de ser julgado pelo tribunal da eleição presidencial.
Assim, ao contrário do que supõem alguns, a falência do que chamam de lulopetismo não ocorreu, independentemente do juízo de valor que se tenha a respeito. Em tais condições, todas as forças de esquerda, incluindo o próprio PT, podem ser confrontadas por desafios que talvez não desejem, a começar pela possibilidade de Lula ser condenado e ter seus direitos políticos cassados.
Não esqueçamos que, apesar dos desdobramentos da Lava Jato terem trazido à tona que os verdadeiros e grandes corruptos são Temer e outras altas e médias figuras do PMDB, PSDB, DEM, PP e de outros partidecos aliados, o grupo da Lava Jato continua preso ao esquema do datashow do procurador Dallagnol. Ao contrário do corruptor Joesley Batista, que sabe quem é o verdadeiro capo, aquele grupo continua tentando fazer crer que o ex-presidente Lula é o chefe supremo da maior organização criminosa corrupta do país.
Portanto, apesar das provas que inocentam o ex-presidente, a possibilidade de um golpe de força para impedir sua candidatura em 2018 não pode ser desprezada. O que colocará tanto o PT quanto as demais forças de esquerda diante do desafio, tanto tático quanto estratégico, de validar ou não o processo eleitoral. Aceitar eleições presidenciais com Lula impedido de disputá-las, independentemente da decisão de apoiá-lo ou não em tal disputa, é o mesmo que validar um novo golpe de força contra a democracia. As forças da esquerda não petista podem ser colocadas, assim, diante do mesmo desafio que levou os comunistas alemães a, erroneamente, não se aliarem aos socialdemocratas nos anos 1930, o que permitiu às forças nazistas chegarem ao poder.
Por outro lado, o PT também se verá obrigado a considerar tal desafio. Primeiro estabelecendo uma política de alianças à esquerda que contemple um programa de governo radicalmente diferente do adotado em 2002. Depois, adotando uma estratégia de campanha que resgate os principais traços da campanha de 1989.
Em outras palavras, o programa de governo terá que incorporar, pelo menos, além de reivindicações históricas não atendidas, a exemplo da reforma agrária e da democratização da propriedade dos meios de comunicação, o papel decisivo das empresas estatais como orientadoras e fomentadoras do processo de desenvolvimento econômico, tendo como eixos centrais a reindustrialização do país, a substituição da economia oligopolizada pelas corporações estrangeiras e nacionais por uma economia concorrencial em que estatais e empresas privadas, nacionais e estrangeiras, realmente disputem entre si o mercado, e gerem empregos massivamente.
Isto é, não é a melhoria da demanda através das políticas sociais que induzirá o desenvolvimento econômico, como tentado entre 2003 e 2016, já que o capitalismo atual não se move dessa forma, e sim pela crescente taxa de lucro. Será o desenvolvimento econômico, induzido pelas políticas públicas de investimento, que empurrará o capitalismo a se confrontar com a concorrência das estatais e criará crescentes condições para o desenvolvimento social (incluindo trabalho, salários em elevação, saneamento, saúde universal, educação, renda mínima, seguro desemprego etc. etc.).
Um programa desse tipo vai exigir reformas estruturais democráticas e populares, sendo possível contar com grande parte das forças de esquerda e, inclusive, de forças progressistas de centro, em seu processo de elaboração e de criação de um movimento social massivo por sua execução. Como as forças regressistas liquidaram a possibilidade de qualquer programa de “paz e amor”, resta às camadas populares e democráticas batalhar por um programa de luta constante.
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Wladimir Pomar
Escritor e Analista Político