Três vertentes para derrotar a direita
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- Wladimir Pomar
- 05/08/2017
A esta altura dos acontecimentos ainda tem gente que não sabe do que são capazes as forças reacionárias e de direita, nem tem consciência do estrago causado ao PT e à esquerda em geral pela ofensiva policial, judicial e política daquelas forças. Acredita, como a atual presidente do PT, que não é preciso fazer autocrítica e que basta realizar ajustamentos táticos para corrigir os rumos, levar Lula a vencer as eleições de 2018 e retomar tranquilamente as políticas estatais de redistribuição de renda e de redução da pobreza e da miséria.
Afinal, as trapalhadas do governo golpista de Temer o levaram a atingir a marca mais baixa de popularidade de todos os presidentes da República. E há uma percepção geral de que Lula foi condenado por motivação política e que a sentença condenatória do juiz Moro deve ser revogada pela segunda instância. Estaria aberto, assim, o caminho para uma disputa democrática das eleições de 2018. Com o “Fora Temer!” e as “Diretas Já!” seriam removidos os empecilhos para a retomada do caminho percorrido pelos governos Lula e Dilma.
Em outras palavras, as dificuldades táticas das forças reacionárias são confundidas com dificuldades estratégicas, impedindo uma visão mais clara do potencial destrutivo e dos objetivos daquelas forças. Há até quem acredite que a Rede Globo e seus comparsas, ao virarem anti-Temer, tornaram-se aliados das forças democráticas e populares. E que, em tais condições, seria adequado realizar acertos com eles para a derrota da camarilha da pinguela para o futuro e para a retomada de um governo que se dedique a realizar uma política democrática e popular.
Sequer se dão conta de que as forças progressistas, democráticas e populares perderam poder de mobilização e de pressão em virtude dos erros políticos cometidos durante os anos de governos petistas de coalizão. A ausência do reconhecimento desses erros é um empecilho não só para reconquistar aquele poder de mobilização, mas também para elaborar e levar a bom termo uma estratégia de reformas estruturais que incluam o fortalecimento da democracia com participação popular, a retomada da soberania nacional nos campos econômico, político e militar, e a conversão do Estado nacional no principal indutor da economia, do bem-estar social e da soberania.
Para reconquistar o poder de mobilização é essencial voltar a criar raízes profundas entre as grandes massas de trabalhadores assalariados urbanos e rurais, os pequenos e médios lavradores e criadores familiares, os grandes contingentes da população excluída e entre parcelas significativas das classes médias. Em outras palavras, na quadratura atual, não bastam táticas corretas. É preciso que tais táticas estejam ancoradas numa estratégia democrática e popular de sentido socialista e, mais do que tudo, tenham por cimento um profundo enraizamento nas grandes parcelas populares do povo.
Essas três vertentes do trabalho das correntes de esquerda, em especial do PT, são indispensáveis não só para enfrentar a ofensiva reacionária, mas também para acumular forças, criar as condições de voltar a se tornar governo e implementar as reformas estruturais necessárias a superar os gargalos que impedem o Brasil de se tornar próspero, com políticas públicas que superem os abismos de desigualdade social.
No momento há um descompasso na articulação dessas vertentes. O PT, por exemplo, em contradição com uma tática formal de enfrentamento, mantém a estratégia de conciliação, inclusive num momento em que o lado de lá não aceita qualquer tipo de conciliação e atropela a Constituição e as leis que permitiam alguma defesa legal dos direitos trabalhistas e previdenciários.
Mantida a estratégia de conciliação, os efeitos táticos serão capengas e a possível disputa do governo com a candidatura Lula perderá consistência. Portanto, a condição sine qua non para consolidar uma potencial candidatura Lula consiste em superar a estratégia de governo sem reformas estruturais, que marcou os mandatos Lula e Dilma, e definir uma estratégia em que tais reformas sejam o apelo principal.
Por outro lado, mesmo que seja adotada uma estratégia de mudanças estruturais, que revigore a tática de luta, há um descompasso com o trabalho de conquista e mobilização das grandes massas do povo para tornar realidade a estratégia e a tática. Continuará havendo um fosso intransponível se não houver uma mudança radical no estilo e nos métodos de trabalho atuais, estilo e métodos que tornem as grandes massas do povo em centro das preocupações e do trabalho cotidiano.
Há cerca de 20 anos, pelo menos, com a inflexão de prioridade às atividades institucionais (legislativas e governamentais de diferentes níveis) houve um crescente abandono no esforço de trabalho nas lutas pelas reivindicações básicas das massas populares e na elevação do nível político, cultural e de organização, tanto dessas massas como das bases partidárias. Não deixa de ser patético que alguns dirigentes partidários, responsáveis por tal abandono, agora pareçam descobrir a pólvora e estejam reclamando a criação de diferenciados organismos de base como necessidade vital para impedir o avanço das forças reacionárias.
Em virtude desse vácuo na organização das grandes massas populares pela base, assim como de uma estratégia adequada de sensibilização social e política, é possível que as mobilizações populares não tenham força suficiente para concretizar o Fora Temer! e as Diretas Já! E se tal vácuo não for preenchido por uma ação correta das forças democráticas e populares, também é possível que a direita consiga impedir que Lula seja candidato e/ou vença as eleições de 2018.
Porém, mesmo que isso ocorra, as três vertentes da luta social e política (tática de defensiva estratégica, estratégias de reformas democráticas e populares, e crescente enraizamento nas lutas e organizações da base social) continuarão postas para criar a mobilização popular e democrática capaz de reverter a defensiva em ofensiva.
Dizendo de outro modo: as forças progressistas, democráticas e populares podem até construir um programa comum de luta contra os golpistas. No entanto, sem uma estratégia clara de reformas estruturais, isso pode resultar em confusões diante das manobras táticas das forças reacionárias e ser insuficiente para barrar a ofensiva da aliança do capital estrangeiro com o capital caboclo no sentido de impor a política de rebaixamento do valor da força de trabalho, de redução dos direitos à aposentadoria, de transformação do país em simples exportador de commodities minerais e agrícolas (agro é indústria, segundo eles), e de limitação dos direitos políticos.
Por outro lado, mesmo que haja uma combinação tática e estratégica, isso também pode ser insuficiente se o trabalho de enraizamento político e organizativo nas grandes massas populares do povo não tiver alcançado a profundidade capaz de mobilizar milhões na luta, tanto por suas reivindicações imediatas quanto na luta pelas reformas estruturais que o Brasil necessita para superar suas mazelas.
A ofensiva reacionária está obrigando os lutadores progressistas, democráticos e populares a reavaliarem essas vertentes da luta social e política. Espera-se que eles sejam capazes de superar os erros cometidos nesses campos e aproveitar a própria experiência passada para superá-los.
Wladimir Pomar
Escritor e Analista Político
Comentários
A não ser que se traduzam suas prescrições para uma linguagem coloquial, arroz-com-feijão mesmo, e as façam chegar a cada lar brasileiro, não há como esperar que surtam efeito, dado o desconhecimento geral de suas virtudes e da urgência de seus efeitos.
Outro obstáculo seria a impossibilidade de contar de fato com o PT, para fins de reformas efetivas, dado o instinto defensivo e conciliatório das lideranças que vem controlando o PT desde sempre. Suas necessidades de auto-preservação os impedem de aventurarem-se em projetos que ameacem seu status quo.
Em conclusão, e com todo o respeito pelo que de bom realizaram os governos petistas, diria ser imperativa a criação de um outro partido político, com forte ênfase na soberania popular, que de início complemente as lacunas do PT e eventualmente o supere à frente do movimento de reformas.
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