Notas sobre capitalismo e socialismo (5)
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- Wladimir Pomar
- 24/11/2017
Voltando ao período que tem início nos anos 1970, os Estados Unidos encontram-se envolvidos em crises financeiras e em problemas estruturais. Há uma brutal concentração e centralização de capitais, formação de grandes corporações transnacionais, crescente monopolização e oligopolização da economia, rápido desenvolvimento científico e tecnológico, e o desemprego estrutural já mostra a sua cara. A elevação da produtividade do trabalho reduz a necessidade de utilização de mão-de-obra humana, e ocorre queda acentuada da taxa média de lucro.
Para complicar ainda mais, os Estados Unidos encontram-se afundados na Guerra do Vietnã e num crescente déficit orçamentário, ao mesmo tempo em que pretendem derrotar a União Soviética na disputa social e política mundial. Foi nesse contexto conturbado que o capitalismo norte-americano decidiu empreender uma série de reajustes econômicos e políticos de caráter estrutural.
No terreno econômico impôs o fim do Acordo de Bretton Woods, tornando o dólar uma moeda universal de troca; intensificou a exportação de capitais na forma financeira especulativa e na forma de transferência segmentada ou completa de plantas industriais para países ou regiões agrárias ou agrário-industriais de baixos salários; impôs o neoliberalismo do Consenso de Washington para agilizar esse conjunto de medidas em países predispostos a abrir suas economias a capitais especulativos. E, no campo político, negociou o final da guerra do Vietnã para ficar em condições de se concentrar na disputa econômica, política e militar com a União Soviética.
Esse conjunto de medidas e ajustes estratégicos norte-americanos intensificou a globalização do modo capitalista de produção no período que se estendeu até a crise do final dos anos 1990. Os capitais especulativos ficaram livres de qualquer regulação, criando capitais fictícios, ou bolhas especulativas de diferentes tipos, como no setor imobiliário e nos chamados derivativos, tanto no território norte-americano quanto em países cujas classes dominantes capitularam ideológica e praticamente ao neoliberalismo.
Os capitais produtivos, por sua vez, deslocaram-se para inúmeros países de mão de obra mais barata, capazes de gerar uma mais-valia compensadora e permitir a transferência de parte substancial do seu produto interno bruto para os países de origem daqueles capitais. O problema, principalmente para os Estados Unidos, consistiu na velocidade com que o desemprego, derivado da elevação interna da produtividade e da transferência de plantas industriais para outros países, atingiu as diferentes camadas de trabalhadores, técnicos e especialistas, ao mesmo tempo em que centralizou os capitais no 1% mais rico da população.
O decantado American Way of Life se esgarçou rapidamente, fazendo com que cerca de 50 milhões de norte-americanos fossem colocados abaixo da linha da pobreza. Os sinais de que a adoção de políticas neoliberais gerava bolhas explosivas apareceram primeiro em países periféricos, como Brasil e Rússia, em 1998, prenunciando os grandes problemas econômicos e políticos que o neoliberalismo estava produzindo. É verdade que a vitória sobre o socialismo de tipo soviético, com a derrocada da União Soviética no início dos anos 1990, mascarou a situação crítica dos Estados Unidos, assim como o crescimento de seu tríplice déficit. Embora tenha se elevado momentaneamente à posição de potência unipolar, era previsível que as reformas estruturais do capitalismo norte-americano não prenunciavam um horizonte tranquilo.
No Brasil, por sua vez, a crise monetária destampou as contradições perversas das políticas neoliberais de juros altos (ficticiamente para conter a inflação), privatização de ativos estatais, investimentos prioritários em bolsas de valores e outras áreas especulativas, e câmbio valorizado. O desmonte industrial, a jogatina rentista, a inflação baixa via compressão do consumo, e o esforço para o pagamento dos juros aos credores internacionais só não se transformou num desastre nacional evidente porque o FMI interviu para sustentar as finanças brasileiras por mais algum tempo e evitar a derrota de FHC nas eleições de 1998.
Mas o desastre neoliberal se tornou uma realidade intransponível. Transformou o segundo mandado de FHC num marasmo sem perspectiva de mudanças, o que levou parte da burguesia nativa a concordar com uma possível vitória eleitoral de Lula e do PT. Concordância que se firmou após a publicação da Carta aos Brasileiros que, sob o argumento de uma correlação de forças desfavorável, comprometeu Lula e o PT a não revogarem o núcleo duro da política neoliberal. Na prática, a burguesia passou a Lula, ao PT e aos trabalhadores a tarefa de sair da crise sem mexer nos fundamentos da própria crise.
Mas essa burguesia não levou em conta a possível reativação do mercado mundial de commodities agrícolas e minerais, efetivada principalmente pelo crescimento econômico chinês. Também não levou em conta os efeitos positivos que tais condições externas favoráveis poderiam exercer sobre uma política de elevação do poder de compra das camadas populares, através da elevação do salário mínimo e de programas estatais de transferência de renda para os setores miseráveis e pobres. A burguesia apostava que a esquerda, hegemonizada pelo PT, afundaria rapidamente, justificando a retomada das políticas neoliberais.
No entanto, os governos de coalizão dirigidos pelo PT conseguiram ampliar sua influência política através da intensificação dos programas sociais que desbordavam as políticas neoliberais. Isso colocou a burguesia dominante diante da necessidade de encontrar novos meios pseudodemocráticos para retomar as rédeas do governo como condição para a continuidade plena das políticas neoliberais. A crise política de 2005, que trouxe à tona o envolvimento de dirigentes petistas na utilização de caixa 2 de empresários para campanhas eleitorais e para movimentações financeiras pouco claras, foi a primeira tentativa séria da burguesia para apear a esquerda do governo.
No entanto, o governo dirigido pelo PT não só conseguiu enfrentar a crise com certo sucesso, como Lula foi reeleito em 2006 e elegeu Dilma Rousseff em 2010 e 2014. A primeira eleição de Dilma, no entanto, ocorreu no quadro de uma mudança radical da situação internacional e nacional produzida pela crise global de 2008. Com origem nos Estados Unidos, essa crise teve efeitos deletérios sobre o comércio internacional, incluindo o mercado de commodities minerais e agrícolas, e sobre as taxas de crescimento de todas as economias nacionais.
Em tais condições tornou-se inevitável um crescente confronto da burguesia dominante contra as políticas sociais e contra a intervenção do Estado na economia (a não ser nos casos em que a beneficiavam diretamente). Apesar disso, a maior parte do PT continuou acreditando que, mesmo sem romper radicalmente com as políticas neoliberais e sem retomar com firmeza as necessárias políticas de reindustrialização, seria possível promover o crescimento econômico através da elevação do poder de consumo. Em outras palavras, acreditou que a elevação da demanda de bens de consumo funcionaria como indutor da industrialização e do crescimento.
A crença dominante era a de que o empresariado, atraído pela elevação da demanda, investiria na produção, e de que o mercado orientaria a economia no bom sentido. Não levava em conta que o empresariado lucrava mais com os altos juros reais e que o mercado era orientado por esse rentismo das grandes corporações internacionais hegemonizadas pelo capital financeiro e também pela fração agrária da burguesia.
Em tais condições, as tímidas tentativas de reorientação estratégica através dos PACs, das parcerias público-privadas para a construção infraestrutural, e das desonerações fiscais a determinados ramos industriais, não conseguiram superar a subordinação da economia nacional aos cartéis internacionais. E a ausência de regulação dos investimentos externos não só deixava de direcioná-los para programas efetivos de reindustrialização (base segura para um crescimento econômico firme) como mantinha a economia nacional aberta à ação dos capitais especulativos.
A essas fraquezas na estratégia de enfrentamento dos problemas estruturais da sociedade brasileira acrescentou-se a tática de minimizar o poder destruidor da crise global e de considerar que a melhor forma de enfrentar o crescente descontentamento da burguesia com as políticas sociais consistia em intensificar a conciliação e adotar as medidas reclamadas por ela, a exemplo das contínuas desonerações e, depois, do ajuste fiscal.
Ou seja, ao invés de construir um programa econômico que combinasse os instrumentos estatais e privados nacionais com forte atração de investimentos externos direcionados para implantar indústrias de base e internalizar novas tecnologias, a exemplo do que começara a ser feito para a exploração do pré-sal, criando fissuras na burguesia nativa e estrangeira, foi escolhida uma rota contrária a tudo que era defendido nos embates eleitorais. A economia afundou em recessão e no desemprego, abrindo brechas para a ofensiva estratégica contra a continuidade tanto de governos dirigidos pelo PT quanto das políticas sociais e democráticas em curso.
A burguesia voltou a mostrar sua caratonha de desnacionalizada, subordinada e dependente dos capitais estrangeiros, além de antidemocrática e racista. As eleições de 2014 ocorreram num clima ainda mais radicalizado do que as de 2010, obrigando o PT a sustentar bandeiras que pareciam indicar uma inflexão popular e democrática mais nítida no caso de vitória eleitoral. No entanto, ao contrário, para espanto geral, o governo radicalizou sua conciliação com a burguesia, adotando o ajuste fiscal reclamado por ela como estratégia para enfrentar as consequências da crise econômica.
Com isso, o novo governo Dilma contribuiu para desorganizar as forças populares e abrir os flancos para uma ofensiva geral das classes dominantes, não só contra o governo e suas políticas sociais, mas também contra os partidos de esquerda e os movimentos populares. A operação Lava Jato, o processo de impeachment por supostas pedaladas ficais, a crescente judicialização da política, as campanhas pela intervenção militar, e uma série considerável de ações reacionárias não só colocaram em risco os pequenos avanços sociais e democráticos conquistados durante os governos comandados pelo PT, como iniciaram o desmonte de tais avanços.
Outros artigos da série
Notas sobre capitalismo e socialismo (1)
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Wladimir Pomar
Escritor e Analista Político