Notas sobre capitalismo e socialismo (7)
- Detalhes
- Wladimir Pomar
- 30/01/2018
Os termos socialismo e comunismo tiveram origem, no século 18, em correntes religiosas preocupadas com a alienação e a morbidez da nascente exploração capitalista sobre os trabalhadores. Elas supunham que através da educação e de experimentações práticas de trabalho socializado ou comunitário seria possível transformar o entendimento dos capitalistas exploradores e modificar a sociedade.
Não entendiam que o capitalismo era um conjunto (modo de produção e formação econômico-social) historicamente necessário e datado. Ele tinha por base a exploração dos trabalhadores, por um lado livres para vender sua força de trabalho e, por outro, subjugados ao aparato técnico e político que surgira como superação do modo de produção e da formação econômico-social feudal. E que, da mesma forma que ocorrera com o feudalismo, o desenvolvimento do capitalismo deveria criar as condições necessárias para sua própria superação como forma de exploração e opressão.
Coube principalmente a Marx e a Engels deslindarem o processo histórico de substituição dos modos de produção e das formações econômico-sociais através do desenvolvimento de suas contradições internas. Tendo como ponto de partida a transformação das hordas primitivas em sociedades organizadas, cada um dos modos e formações sociais nasceu no cadinho das contradições do modo de produção e formação econômico-social dominante, desenvolvendo-se até o ponto em que superou as contradições que o haviam originado e abriu passo a novas contradições.
Comunismo primitivo, escravismo e feudalismo foram os modos de produção e as formações econômico-sociais que antecederam ao capitalismo. E, da mesma forma que o patriarcado e o clientelismo foram formas de transição do comunismo primitivo para o escravismo e deste para o feudalismo, Marx e Engels homenagearam os utópicos chamando de socialismo ao processo de transição do capitalismo a uma formação econômica e social superior que, também em homenagem aos utópicos, chamaram de comunismo.
Porém, ao contrário dos utópicos, Marx e Engels descobriram que todas as transformações históricas de um tipo de sociedade para outro dependeram sempre da luta entre as classes contraditoriamente antagônicas em cada modo de produção e formação econômico-social: no comunismo primitivo, entre não-proprietários e proprietários de terras e animais; no escravismo, entre escravos e escravocratas; e no feudalismo, entre camponeses e senhores feudais.
Essa luta de classes somente foi resolvida, em cada época histórica, quando o modo de produção vigente e a formação econômico-social resultante chegaram a um ponto de desenvolvimento em que não mais conseguiam reproduzir-se como até então, e em que um novo modo de produção e os indicadores de uma nova formação econômico-social apontavam para nova fase histórica. Marx e Engels concluíram daí que um novo modo de produção e uma nova formação econômica e social só seriam capazes de superar o modo de produção e a formação econômico-social existente quando esta esgotasse suas possibilidades de reprodução.
Deduziram, então, que no capitalismo, onde os trabalhadores proprietários da força de trabalho, mas não de meios de produção, e a burguesia proprietária dos meios de produção e de grandes somas de dinheiro tornaram-se as principais classes antagônicas, a luta entre elas deveria ser resolvida primeiro nas nações em que tais classes estivessem mais desenvolvidas. Ou seja, o socialismo, como forma de transição da propriedade privada e do mercado capitalista para a propriedade social e o atendimento comum e pleno das necessidades humanas (comunismo), só seria possível após o desenvolvimento pleno das forças produtivas da sociedade capitalista.
Portanto, revoluções socialistas deveriam ocorrer primeiro nos países capitalistas desenvolvidos. Ou seja, naqueles países onde as contradições entre o capital e o trabalho haviam se tornado graves e insuperáveis no contexto capitalista. Isto é, haviam chegado a um ponto em que não mais conseguiam ser resolvidas pelo modo capitalista de produção e indicavam a necessidade de liquidar a propriedade privada como condição para evitar a destruição da própria humanidade.
Em termos práticos, porém, a perspectiva de superação do modo capitalista de produção apresentava pelo menos dois grandes problemas: um político, de revolucionamento do poder político, ou de revolução política propriamente dita, e um econômico, de transformação da propriedade dos meios de produção e circulação em propriedade social. Dizendo de outro modo, a solução de tais problemas consistia em transformar o Estado de instrumento de dominação da burguesia sobre o proletariado em instrumento de extinção da divisão da sociedade em classes, e transformar o trabalho de obrigação para a subsistência em atividade livremente realizada como contribuição para a evolução da espécie humana.
A revolução como problema político até hoje é objeto de intensas disputas teóricas, embora seja fundamentalmente um problema de ordem prática. Revoluções políticas têm resultado sempre de situações em que os de baixo já não suportam mais viver como até então e não têm mais nada a perder, a não ser os grilhões, e os de cima não mais conseguem mandar como até então. Abordagem como essa pressupõe que revolucionários são aqueles que estão preparados, teórica, prática e organizativamente para fazer frente a tal situação crítica e atuar no sentido de resolvê-la no sentido de efetivação/transformação da situação social e política insustentável.
No entanto, tem sido comum que sujeitos, grupos e correntes políticas se considerem revolucionários por agir no sentido de criar situações revolucionárias. Supõem que sua ação teórica e prática é o que cria tais situações. Em sentido contrário, há grupos e correntes políticas que consideram possível que sua ação ordeira e progressista seja capaz de evitar a violência revolucionária. Tais posições, embora opostas, em geral resultam em derrota e/ou tragédia porque têm pouco a ver com a evolução objetiva da luta de classes e do processo de transformação política, social e econômica que opõem as classes dominadas às classes dominantes, seja nas formações históricas passadas, seja no capitalismo.
No capitalismo a situação parece mais complexa porque o trabalhador é aparentemente “livre” e, além de ter o direito de vender livremente sua força de trabalho a quem quiser, tem o “direito democrático” de eleger representantes ao parlamento e ao governo. O que tem levado muitos a suporem que a burguesia também se dispõe a entregar o poder político se os trabalhadores conquistarem a maioria e quiserem iniciar o processo prático de transição socialista. O que seria ideal.
Mas a experiência histórica tem mostrado que a própria burguesia está sempre pronta a apelar para soluções violentas de modo a garantir a continuidade de seu poder econômico, político e ideológico. O que conduziu, em vários países, a revoluções que pretenderam construir o socialismo, apesar do atraso de seu desenvolvimento capitalista, virando de ponta cabeça as previsões de Marx e Engels a respeito e colocando os socialistas e comunistas diante de novos problemas.
Na prática histórica, o desenvolvimento desigual e descombinado do capitalismo pelo mundo fez com que se conformasse um sistema imperialista de exploração colonial, herdado do período mercantilista, produzindo fenômenos difíceis de prever. Por um lado, a brutal exploração sobre as colônias e semicolônias acirrou as contradições internas em cada uma delas, assim como entre elas, colocando a disputa colonial na pauta de todas as potências capitalistas, fossem avançadas ou atrasadas. As guerras do ópio, hispano-americana, anglo-boers, russo-nipônica e franco-alemã foram apenas algumas das que povoaram a história mundial com tal disputa nos anos finais do século 19 e início do século 20.
A exploração colonial e semicolonial, por outro lado, ao permitir grandes lucros excedentes aos capitais imperialistas, produziu um efeito histórico não previsto. Isto é, fez com que a transferência de parte desses lucros excedentes para os salários dos trabalhadores das metrópoles capitalistas resultasse no amainamento da luta de classes nesses países, em contraste com o acirramento das lutas de classe nos países capitalistas atrasados e nos países colonizados e semicoloniais. Assim, ao contrário do que supuseram Marx e Engels, o epicentro das lutas de classes migrou dos países capitalistas desenvolvidos para os países coloniais e semicoloniais, até mesmo para alguns nos quais as relações capitalistas eram muito incipientes.
Essa transferência se tornou ainda mais evidente na I Guerra Mundial, na qual se confrontaram dois blocos de países imperialistas na disputa pela redivisão colonial do mundo. Em consequência, a Inglaterra perdeu a hegemonia mundial para os Estados Unidos, enquanto a Revolução Russa, tendo por base uma aliança entre operários e camponeses e dirigida por um partido marxista, fez com que emergisse no cenário mundial uma perspectiva socialista real.
A essa revolução seguiram-se movimentos revolucionários em países capitalistas relativamente avançados (Alemanha), atrasados (Hungria) e países de capitalismo muito incipiente (Turquia, Mongólia), nem todos de caráter socialista ou dirigidos por partidos marxistas. Além disso, sob o impacto da revolução russa seguiu-se uma verdadeira eclosão de partidos marxistas ou pseudo-marxistas em países de capitalismo pouco desenvolvido ou não-capitalistas (Argentina, China, Brasil etc.).
Essa transferência do epicentro da luta de classes dos países capitalistas avançados para países atrasados representou uma ruptura prática com as previsões dos clássicos do marxismo quanto às condições para a emergência de revoluções socialistas. Além disso, também colocou em xeque as teorias sobre o processo de eliminação da propriedade privada dos meios de produção somente quando as forças produtivas do capitalismo estivessem plenamente desenvolvidas, levando algumas correntes a propugnarem que o socialismo poderia ser construído antes que as forças produtivas estivessem plenamente desenvolvidas.
Naquela ocasião, apenas Lenin e alguns outros marxistas deram-se conta de que o “comunismo de guerra” era e só podia ser explicado por uma situação de crise profunda e de autodefesa. Não poderia prolongar-se como política de desenvolvimento econômico, social e cultural que poderia substituir o papel histórico do capitalismo.
Leia as demais partes aqui
Wladimir Pomar
Escritor e Analista Político