A atualidade e as relembranças de 89
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- Wladimir Pomar
- 21/09/2018
O atentado contra o candidato da ultradireita, mesmo que tenha sido cometido por um desequilibrado mental, é mais uma expressão da confusão política e social da atual conjuntura nacional e de sua similaridade com a conjuntura de 1989, apesar de certa inversão de papéis. Naquela ocasião quem sofreu ameaças e atentados de diferentes tipos foram militantes e dirigentes petistas, assim como o comitê nacional da campanha Lula (bomba de fabricação doméstica colocada em sua entrada). Além disso, o PT foi falsamente acusado de mentor do sequestro do empresário Abílio Diniz.
Mas as tendências democratizantes estavam em ascensão, a candidatura Lula não fora impedida e até tinha condições de vencer a eleição presidencial. No entanto, a maioria da direção nacional petista de então não acreditava nessa possibilidade e recusou a proposta de colocar a vitória como objetivo central da campanha eleitoral. Como decorrência dessa decisão (na prática, disputar as eleições para “marcar posição”), o comitê nacional da campanha demorou a ter sua composição completada para poder exercer o papel coordenador que lhe cabia e parte da comissão executiva do PT considerava mais importante dar atenção a outros assuntos.
De qualquer modo fora aprovada a estratégia de campanha massiva. Isto permitiu mobilizar toda a estrutura organizativa do PT, tendo por base os núcleos de militantes, resultando na participação direta e ativa de mais de dois milhões de voluntários em todo o país, tanto para a organização das atividades da campanha massiva, quanto para a fiscalização da contagem dos votos. Foi o que levou Lula ao segundo turno e fez com que quase chegasse à vitória por uma diferença de apenas 3% em relação a Collor.
Na atualidade, apesar dos golpistas e reacionários estarem em ofensiva e fazerem ameaças jurídicas, militares e policiais (ou vice-versa), enquanto as forças populares e democráticas se encontram em defensiva ou estão sem saber o que fazer, há um poderoso sentimento popular de aprovação dos governos Lula, sentimento que a perseguição e as ameaças policiais, judiciais e militares (ou vice-versa) não conseguiram destruir.
Ou seja, em 1989, Lula e o PT tiveram que esforçar-se e desdobrar-se para conquistar a grande massa popular que não queria votar em gente “igual a ela”. Essa situação ideológica sofreu uma virada qualitativa, uma verdadeira revolução cultural, em 2002, ampliando-se depois em 2006. E, hoje, apesar da campanha massiva para manchar a imagem de Lula como corrupto, o sentimento de votar num “igual” parece até mesmo superior ao que havia naqueles anos. É isso que leva vários candidatos presidenciais atuais a se esforçarem para imitar Collor, parecerem preocupados com os trabalhadores e os excluídos, ou até lembrarem sua participação em governos petistas, de modo a captarem eleitores de Lula.
Por outro lado, a sanha golpista e reacionária em ascensão desde 2013 causou desarranjos profundos na sociedade. Fez ressurgirem condições sociais e políticas embaralhadas como as que existiam em 1989, mas acabaram criando um ambiente ainda mais favorável para a vitória lulista. Não por acaso todas as frações direitistas, em especial a protofascista, têm se empenhado em manter a farsa da condenação de Lula e de não permitir que ele concorra livremente às eleições. O que constrangeu o PT e o PCdoB a oficializarem uma candidatura que representa Lula e seu programa de governo, mas não o tem como cabeça de chapa.
Nessas condições, a chapa Haddad-Manuela, se quiser realmente disputar para vencer, terá que adotar uma estratégia de campanha eleitoral que tenha caráter intenso, massivo, mobilizador e reorganizador. Dizendo de outro modo, em primeiro lugar terá que trabalhar 24 horas por dia, tendo em conta o pouco tempo para transferir os votos cativos de Lula e garantir a ida para o segundo turno.
Além disso, desde logo terá que encarnar não só o modo Lula de dialogar com as grandes massas do povo, mas também seu espírito de 1989, radicalmente em oposição ao neoliberalismo e às costumeiras raposas que dominam a política nacional.
Terá que ser radical no combate àqueles que pretendem implantar uma ditadura fascista através de um sistema eleitoral judicializado. Ou seja, precisará de um discurso forte em oposição a tudo que pretende arrancar o couro dos pobres e trabalhadores e aumentar o desemprego, a exploração e a precariedade, a exemplo das mudanças golpistas introduzidas nas leis trabalhistas e previdenciárias.
Ao mesmo tempo terá de ser firme no desmascaramento da tentativa de legalizar as balas perdidas que matam inocentes ao invés de bandidos, mantendo-se firme na defesa dos direitos das mulheres, das minorias de gênero e das maiorias raciais oprimidas.
Em nenhum momento poderá vacilar na denúncia de que o candidato popular preferido para as eleições presidenciais foi impedido de concorrer através de uma condenação fraudulenta, sem provas. E que, em consequência, entre as primeiras medidas que assinará como governo eleito e empossado estarão a libertação de Lula e a convocação de uma Assembleia Constituinte que não só mantenha as conquistas democráticas de 1988, mas também as consolide, as aprofunde e as amplie.
Paralelamente, o PT e demais partidos de esquerda estão chamados a aproveitar os desafios da presente campanha eleitoral para retomar o caminho organizativo e formativo presente em 1989. Isso porque, no caso de uma vitória presidencial, eles serão confrontados pela imperiosidade de realizar tarefas programáticas de cunho democrático e popular muito superiores às que enfrentaram nos governos Lula, e de qualidade radicalmente diferente das que enfrentaram nos governos Dilma. Terão, na linha do horizonte imediato, a tarefa de superar a dependência, a subordinação, a desnacionalização e as desigualdades sociais e regionais que ainda caracterizam a sociedade brasileira.
Dizendo de outro modo, o resultado vitorioso da chapa PT-PCdoB imporá a esses partidos a missão de incorporar o conjunto da esquerda e parte considerável das forças de centro na realização daquela múltipla tarefa democrática e popular, incluindo sua participação orgânica no governo.
O que lhes impõe, desde logo, reestruturar seus núcleos de base e reformular suas direções. Isto é, ampliar a atuação voluntária, organizada e participativa deles na campanha e elevar sua capacidade teórica e prática para enfrentar tanto os desafios e tarefas governamentais quanto os relacionados com as demais esferas do poder estatal e com a discussão e implementação de reformas democráticas e populares na Constituição. Não será mais possível permitir a emergência de fenômenos corrompidos e corruptores tipo Palocci, apenas para citar um exemplo extremo.
Por outro lado, a reestruturação nuclear de base e a elevação da capacidade teórica e prática, desde sempre, também é o que pode, no caso de derrota, colocar os partidos de esquerda em melhores condições para implementar sua defesa estratégica, estabelecer uma nova correlação de forças e passar à ofensiva política tendo como horizonte a luta contra a espoliação das camadas populares, a destruição das conquistas democráticas, a desnacionalização econômica e política e, como bandeira, a luta por uma Assembleia Constituinte Exclusiva.
Em qualquer das hipóteses, o Brasil e o povo brasileiro clamam por reformas democráticas e populares profundas e quem quer que vença a atual fraude eleitoral terá que se haver com elas.
Wladimir Pomar
Escritor e Analista Político