Correio da Cidadania

Ainda as teorias neoliberais

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Os teóricos das reformas neoliberais também pregam confusão quando afirmam que no Brasil existe um baixo consenso social, alimentador de um ambiente antirreforma, caracterizado por uma combinação de populismo, conflito distributivo em torno das rendas intermediadas pelo Estado, pagamentos a políticos e protecionismo comercial e regulatório.

Na verdade, embrulham as coisas. Os pagamentos a políticos e o protecionismo comercial e regulatório intermediado pelo Estado é praticado há muito para beneficiar exclusivamente a burguesia estrangeira e nacional que monopoliza a economia brasileira pelo menos desde os anos 1950. E, que se saiba, não há nada nas propostas neoliberais de reformas para solucionar tal distorção.

Já as tentativas de levar o Estado a intermediar rendas para as camadas populacionais excluídas do trabalho, da educação e da saúde, praticadas principalmente durante os governos petistas entre 2003 e 2016, estiveram e continuam relacionadas à necessidade de superar o sistema monopolista e oligopolista de concentração da renda nacional, como nos Estados Unidos, em mãos de apenas 1% da população.

Ou seja, não dá para colocar no mesmo saco políticas totalmente opostas. O conflito distributivo resulta de várias ações combinadas da própria classe burguesa nativa e estrangeira que domina o sistema produtivo e financeiro nacional. Ela impõe aos 99% restantes da população sistemas de remuneração do trabalho e de cobrança tributária altamente escorchantes e concentradores. Baixas taxas de desenvolvimento também alongam a permanência trágica de um exército industrial de reserva sem perspectiva alguma de trabalho. E, para piorar, o 1% que congrega a classe burguesa não está satisfeito com o que ganha e quer parcela ainda maior da renda nacional.

É verdade que parcelas significativas dos 99% da população brasileira ainda não se deram conta da profundidade da ganância desse 1% privilegiado. E, em consequência, ainda não se organizaram para lutar por reformas que modifiquem radicalmente a brutal disparidade existente.

Embora acicatadas em sua sobrevivência física pela ganância desmesurada da minoria proprietária de quase tudo, parte das populações trabalhadoras, dos excluídos e das classes médias baixas ainda é enganada pelos teóricos burgueses de plantão.

Para estes, os pontos nevrálgicos do que chamam “reversão das reformas” (reformas que se negam a chamar de neoliberais e consideram indispensáveis), ocorrida durante os governos petistas, teriam sido as interferências estatais em decisões privadas (que teoricamente reduziram lucros e rendas dos ricos), e a reestatização da exploração e refino do petróleo, com incidência nos preços de energia e combustíveis (que também teriam reduzido os lucros). Tudo isso teria agravado o que chamam de “proteção setorial”, fechado à economia, desperdiçado recursos públicos e privados em investimentos inviáveis, e levado à crise.

No entanto, ocorreu algo diferente. Primeiro, os governos de direção petista não adotaram a estratégia de ampliar a participação de estatais de modo a impor às empresas privadas uma concorrência produtiva que desempenhasse um papel decisivo no processo de crescimento econômico, jogasse os preços e os juros para baixo e multiplicasse os empregos.

Com poucas empresas estatais em apenas alguns ramos, foram incapazes de impor à classe burguesa um desenvolvimento industrial, científico e tecnológico amplo e efetivo, incluindo a modernização efetiva da infraestrutura ferroviária, fluvial e marítima, de custos muito inferiores à infraestrutura rodoviária construída a mando do oligopólio automobilístico estrangeiro.

Uma estratégia de desenvolvimento com ampla participação orientadora de empresas estatais, concorrendo entre si e com as empresas privadas, teria empurrado a burguesia nativa a participar do processo, imprimindo um rumo de desenvolvimento mais firme e começado a romper com o velho padrão de crescimento dependente e subordinado ao capital estrangeiro. Em seu lugar foi adotada a estratégia de estimular o investimento burguês através do aumento do consumo dos pobres, ao mesmo tempo em que se permitiu que os juros das aplicações financeiras fossem mais compensadores do que os investimentos industriais.

Ou seja, ao invés de aproveitarem devidamente a luta pela sobrevivência das camadas trabalhadoras e excluídas implementando reformas que levassem a um desenvolvimento industrial sustentável a longo prazo e gerassem empregos e rendas mais sólidos e mais difusamente distribuídos, os governos petistas perderam uma oportunidade de ouro para imprimir ao Brasil um forte rumo de desenvolvimento.

Isso não exclui seu mérito de fazer com que parte dos gastos públicos tenha sido direcionada para a mitigação da miséria e da pobreza. Grande parte das camadas populares beneficiadas por tais políticas está convencida de que durante os governos Lula ocorreu um período de “reversão das reformas neoliberais” e de aplicação de reformas com tinturas populares. No entanto, é necessário reconhecer que não foram introduzidas reformas que realmente mudassem a face predadora e desigual da economia e da sociedade brasileiras.

É a ausência de tais reformas que permite aos teóricos a serviço do 1% enricado da população tomar a reversão antineoliberal apenas como forma de sustentação política do governo e como causa da crise econômica que se abateu sobre o país. Ou seja, jogam para debaixo do tapete as causas reais da crise econômica nativa. Isto é, os efeitos da crise capitalista global desencadeada em 2007-08 sobre a economia mundial, assim como os papéis podres da especulação financeira, que abatem com efeitos mais destrutivos justamente os países dependentes e subordinados da periferia do mundo, aí incluído o Brasil, e ainda hoje continuam fazendo estragos.

Maliciosamente desdenhando tais causas, os teóricos neoliberais voltam a bater na tecla de que a saída para a crise são as reformas, no máximo chamadas por eles de “liberais”, mesmo que levem décadas para se concretizarem. Para eles, o Brasil não pode ter outro período nefasto de contrarreformas, como o do passado recente. E, mais maliciosamente ainda, dizem que o país precisa de um período de reformas capazes de reduzir a desigualdade e ampliar a classe média, fazendo com que o Estado brasileiro deixe de ser concentrador de renda (o Estado?????) e transforme o país em mais igualitário (xi, isso é comunismo!), fazendo com que as reformas tenham preocupação redistributiva e de criação de empregos para os mais pobres.

Ou seja, os teóricos neoliberais sabem que precisam ganhar politicamente os pobres, embora suas propostas reais de reformas nada tenham de redistributivas, de redução das desigualdades, de desconcentração de renda (não só do Estado, mas principalmente do 1% super-rico) e de criação de empregos. Ou seja, apesar da pretensa preocupação redistributiva, pretendem reformas neoliberais ainda mais radicais do que as praticadas por FHC nos anos 1990, cujas consequências previsíveis são ainda mais destrutivas do que as praticadas naquele período.

Não é por acaso que as perspectivas mais otimistas quanto ao crescimento da economia sejam de 1% ao ano. O que, na prática, representa uma situação de recessão e estagnação, com tendência de depressão. O que deve levar o atual desemprego de 13,5 milhões de pessoas a atingir ainda mais trabalhadores, enquanto a rede de proteção social deve ser deteriorada ainda mais, fazendo com que o contingente de excluídos do trabalho, da educação e da saúde continue aumentando, com muitos deles buscando a sobrevivência no banditismo.

Além disso, se considerarmos no bojo das reformas neoliberais em curso as novas leis antidrogas, anticrimes, armamentista e de modelo repressivo, que legalizam o aumento da letalidade policial e, portanto, tendem a intensificar a guerra civil não declarada que ceifa mais de 60 mil vítimas por ano, as reformas neoliberais dos teóricos do 1% endinheirado tendem a criar uma situação que talvez leve a esquerda a considerar como suaves as reformas do Consenso de Washington dos anos 1990.

A polícia brasileira, a que mais mata e mais morre em todo o mundo, segundo estatísticas confiáveis, deve bater novos recordes, sem reduzir a criminalidade, estimulada pelos novos direitos de posse de armas, de ruralistas matarem invasores reais ou fictícios, de homofóbicos atacarem pretensos suspeitos etc. etc. etc.

Diante de uma perspectiva como essa não basta que a oposição democrática e popular aplique táticas de luta política contra as reformas neoliberais. Com base na experiência dos anos de governos petistas, é indispensável também elaborar uma estratégia de desenvolvimento econômico, social, cultural e político que seja uma alternativa real às reformas neoliberais e tenha capacidade de mobilizar os contingentes majoritários da população brasileira, atrair contingentes consideráveis das classes médias e criar divisões no 1% endinheirado.

Em outras palavras, não basta ser contra o que está sendo apresentado pelos teóricos do neoliberalismo. Mesmo porque o Brasil realmente necessita de reformas que o façam avançar em seu desenvolvimento econômico e social e beneficiem a maioria de sua população.

Wladimir Pomar

Escritor e Analista Político

Wladmir Pomar
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