Correio da Cidadania

Sobre responsabilidades e prioridades

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Reinaldo Azevedo e Glenn Greenwald em ato pela liberdade de expressão na Faculdade de Direito da USP 


Não deixa de ser tragicômico ver uma série enorme de ideólogos, representantes das classes dominantes, dos meios de comunicação e de outros setores sociais, se tornarem opositores contundentes de Bolsonaro, cuja eleição apoiaram com armas e bagagens.

É verdade que muitos deles tentam justificar esse apoio e voto com o argumento de que precisavam dar um fim ao “desastre” do PT, frisando sempre que tal “desastre” tinha como base a corrupção generalizada. Ou seja, continuam tentando enganar a si próprios e aos demais com argumentos esfarrapados.

Afinal, podemos contar nos dedos os membros do PT envolvidos em casos de corrupção. Porém, fica difícil quantificar os membros de outros partidos, assim como os empresários e funcionários privados envolvidos nessa prática maléfica. Além disso não se pode deixar barata a constatação de que grande parte desses empresários e funcionários privados foi induzida a realizar delação envolvendo dirigentes petistas porque lhes foi oferecida a possibilidade de continuar a viver vida nababesca como prêmio pela deduragem.

Mesmo assim, não coligiram provas efetivas que embasassem o objetivo de condenar e prender Lula. Não provaram que Lula era ou é o proprietário do apartamento triplex no Guarujá (triplex até hoje constando na lista das propriedades da empresa construtora), nem do sítio de Atibaia. Nem seguiram os procedimentos jurídicos corretos. E, ainda hoje, usam o fantasioso powerpoint do procurador Dallagnol como a principal arma de “acusação”.

Os arranjos e combinações entre Moro e promotores para julgar e condenar o líder petista evidenciam, cada vez mais, não só a ilegalidade da trama, mas também seu instrumento estratégico – a “isenção”. Isto é, para parecer “isenta”, a operação Lava Jato tinha que envolver empresários e políticos de outras siglas. Essa foi e continua sendo a forma de tentar encobrir que tal operação tinha como alvos centrais a destruição de Lula, como líder político, e do PT como partido capaz de dar ao Brasil, como país independente, um rumo soberano e livre da pobreza e da miséria.

Ou seja, a “luta lavajatista contra a corrupção” não tinha nem tem como objetivo limpar o país dessa tradicional forma de atuação dos endinheirados para aumentar suas riquezas. Uma parte deles está apenas sofrendo percalços por realizar projetos no momento errado. Isto é, no mesmo período em que o PT estava no governo.

Em sentido contrário, à medida que avança como pretendente a ditador, Bolsonaro não só não consegue esconder que seu
mandato na Câmara dos Deputados era uma agência de emprego familiar, como continua defendendo o nepotismo de seus filhos ocuparem cargos importantes na República e/ou ficarem livres de investigações por malversação de fundos.

Seu papo de “acabar com a velha política” e “impor uma nova” desceu a ladeira do ridículo. Teve e tem que liberar recursos para projetos de deputados que ameaçavam criar dificuldades na votação da reforma da previdência, reforma que vai fazer com que os mais pobres paguem o aumento dos lucros dos mais ricos, e que ameaçam outras reformas e projetos bolsonaristas.

Não deixam de ser verdadeiras as críticas às atitudes de Bolsonaro quanto ao não afastamento do ministro patrocinador do esquema de candidaturas “laranjas” em Minas Gerais, ao abandono de sua oposição à privatização de empresas públicas e à entrega das reservas petrolíferas brasileiras para o capital externo. Ou de suas afirmações quanto à inexistência de famintos em solo brasileiro, à necessidade de subir os morros de favelas atirando e da inexistência de madeireiras devastando a Amazônia através de incêndios.

O mesmo pode ser dito quanto a suas ameaças de liquidação da Ancine, assim como suas dezenas, centenas ou, sabe-se lá quantas, atitudes incivilizadas tipo “sou a favor da tortura”, “tem que matar uns 30 mil”, “é hora de perdoar o holocausto”, “fala pra Merkel usar o dinheiro que era pra Amazônia no reflorestamento da Alemanha”, “Noruega não é aquele país que...”, “a mulher do Macron...”, “se o pai da presidente Bachelet não tivesse sido morto, o Chile teria virado outra Cuba” etc. etc.

O problema dos críticos chorosos atuais é que nenhuma dessas contradições e atitudes do presidente é coisa recente. Sua folha corrida, pelo menos desde que era capitão e foi defenestrado do Exército por atitudes incompatíveis com a disciplina da corporação, é recheada de incongruências e atitudes típicas dos fascismos mussolinista e franquista e do nazismo hitlerista. Não é possível que jornalistas e intelectuais bem informados não soubessem disso.

Portanto, não devem se espantar, agora, que ele reitere que é “quem manda”, “que governa para os que o apoiam”, que exija “apoio público” de governadores para liberar recursos para os estados, que vai “contingenciar recursos para a educação”, acusar os que não o apoiam de “dividir o Brasil”, “ofender pessoas assassinadas pela ditadura militar”, e por aí afora.

Bolsonaro só enganou àqueles que queriam ser enganados. Ou que barganharam com ele, através do voto, um neoliberalismo econômico que ele não entende, assim como uma aversão doentia às políticas de redução da pobreza e da miséria, e uma oposição extremada ao PT. Supuseram que seu discurso radical de direita era apenas a forma de conquistar votos dos setores médios reacionários, descontentes de ver pobres viajando de avião, médicos cubanos atendendo populações do sertão profundo e diplomatas brasileiros com posições independentes em relação às potencias centrais. E que isso mudaria quando ele aceitasse a “liturgia do cargo” presidencial.

Enganaram-se e deveriam reconhecer isso publicamente. E, ao invés de viverem tentando colocar o “rebelde” presidente em linha com o “sensato” pensamento padrão global, talvez fosse mais honesto que reconhecessem publicamente a asneira que fizeram e pedissem desculpas ao povo brasileiro por colocá-lo diante de uma brutal ameaça à sua sobrevivência e à sobrevivência de seu país como nação independente.

Além disso, também seria honesto pedir desculpas à Lula e ao PT por haverem alimentado e continuarem alimentando uma propaganda sobre um “desastre governamental” que não existiu, propaganda que contribuiu para colocar à frente do país alguém que, de útil e positivo, até agora, só teve o mérito de trazer à tona, sem querer e por vias travessas, a história suja da ditadura militar.

Infelizmente, ao invés disso, os setores endinheirados que apostaram em Bolsonaro continuam tentando justificar seu “extremismo” em virtude de um suposto “extremismo petista” que não existiu nem mesmo nos períodos de maior combatividade do PT. Talvez por isso o melhor que os petistas e demais militantes das correntes políticas populares têm a fazer seja deixar as críticas ao “besteirol” por conta dos apoiadores arrependidos do capitão.

Afinal, muito mais importante do que isso é tratar, prioritariamente, da crítica aos programas econômico, social, educacional e político neoliberais, que têm como articuladores principais o Posto Ipiranga Guedes e outras figuras medíocres da equipe ministerial bolsonarista. Programas neoliberais que, mal ou bem, contam com o apoio e a pressão do 1% endinheirado e de parte considerável dos que não estão satisfeitos com a forma de Bolsonaro e famiglia os tratarem.

Por isso mesmo, tal crítica deve ter como contraponto um programa de propostas para a retomada do desenvolvimento e crescimento econômico, a elevação das taxas de emprego, a recuperação das universidades e das matrículas estudantis, o reforço dos atendimentos médicos às regiões desassistidas, e a ampliação da participação democrática nas decisões governamentais, programa que deve interessar à maioria esmagadora da população brasileira.

Além disso, é indispensável, no caso do PT, acertar as contas com os erros que o levaram a distanciar-se de suas bases sociais. Nesse sentido, vale a pena ler o trabalho recente de Esther Solano, “As ideias de dona Maria”, que “votou em Bolsonaro”, mas já se arrependeu, em Carta Capital de 28/08/2019, assim como o livro escrito pelo conhecido ator Pedro Cardoso.

Dona Maria acha Lula “o melhor presidente da história” e diz que “sua vida era melhor na época dele”. Mas não titubeia em dizer que “Lula é um grande corrupto”, que “sabia de todos os esquemas do PT” e “caiu na corrupção”, como teria demonstrado o “PowerPoint do Dallagnol”. Ainda segundo ela, todos os demais partidos são corruptos, mas o problema do PT é que ele “traiu o povo”. Pedro Cardoso não vai a tanto, mas seu desalento não é menor.

Quantos milhões de Donas Marias e Pedros Cardosos existirão atualmente no país todo? Como o PT poderá demonstrar a esses Donas Marias e Pedros Cardosos que estão enganadas sobre ele? E, como reconquistá-los para que voltem a lutar junto com ele por uma vida melhor? Essas são questões chaves preliminares para que o PT construa um novo programa de luta, capaz não só de capitalizar as desavenças nas hostes bolsonaristas e neoliberais, mas reconquistar os milhões da base da sociedade confundidos pela propaganda enganosa dos que têm domínio efetivo sobre a nação brasileira.

Ou a militância petista mergulha fundo para conhecer, dialogar e reconquistar os milhões de Donas Marias e Pedros Cardosos, ou seu destino talvez não seja muito diferente daqueles partidos populares da história brasileira que falharam nessa missão e sucumbiram.

Wladimir Pomar

Escritor e Analista Político

Wladmir Pomar
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