Correio da Cidadania

Aprender com a história, um desafio para 2021

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As comemorações da direita política (centro e extremas), por suas vitórias eleitorais municipais continuam em ebulição, inclusive desdenhando a pandemia e suas consequências. Estas, afinal, embora também criem constrangimentos e sofrimentos a alguns burgueses e remediados, assolam principalmente aos pobres e miseráveis.

Por outro lado, situações idênticas, de derrotas políticas da esquerda e de comemorações esfuziantes da direita, não são novidade histórica no Brasil. Na segunda metade do século 19, a esquerda de então forçou a abolição da escravatura, mas foi derrotada ao não conquistar a realização de qualquer reforma agrária que permitisse o livre acesso dos ex-escravos, trabalhadores rurais, às terras. Estas continuaram sob o domínio privado dos antigos latifundiários escravistas, que puderam comemorar a substituição do escravismo pela meação e pelos dias cativos e não pela divisão da propriedade das terras.

Embora, logo depois, os militares positivistas tenham proclamado a República, esta nova organização política também continuou dominada pelos latifundiários através do voto de cabresto. E a principal fonte de riqueza no novo sistema político continuou centrada na produção agrícola e mineral para exportação. O Brasil só foi conhecer a indústria, que começara a revolucionar as forças produtivas na Europa desde séculos anteriores, quando a I Guerra Mundial obrigou o Brasil a produzir internamente produtos industriais europeus, até então importados.

Essa guinada, principalmente por pressão de acontecimentos externos, induziu o surgimento de duas novas classes no panorama social e político do país, a dos capitalistas industriais e a dos trabalhadores fabris assalariados. E foi junto com a constituição dessa nova classe social trabalhadora que brotou, na história brasileira, uma nova esquerda política, então de nuances anarquistas, nacionalistas e comunistas.

Todas essas nuances, ou correntes, sempre tiveram grande dificuldade em delimitar claramente tanto as forças inimigas quanto as forças aliadas potenciais, assim como em aprofundar e consolidar sua presença e sua ação junto à sua própria classe, seja nos locais de trabalho, seja nos locais de moradia, nos locais de estudo, nas atividades recreativas e culturais, e na vida e na luta do dia a dia.

Se examinarmos a história dessas correntes políticas, vamos sempre nos deparar com suas dificuldades em analisar em profundidade os caminhos a que o Brasil era submetido, e a elaborar uma teoria consistente para que o país ingressasse num caminho de desenvolvimento independente, que beneficiasse ao conjunto de sua sociedade, ao invés de somente aos potentados. Uma das provas dessa dificuldade pode ser comprovada pela incapacidade das correntes nacionalistas que realizaram a Coluna Prestes em avaliar o potencial revolucionário do campesinato de então, a maior parcela trabalhadora do país, desconhecer seu desejo de democratização da posse da terra, e não permitir sua incorporação à Coluna militar.

Décadas depois, durante os mais de 20 anos de ditadura militar, uma parte dos comunistas pensou haver descoberto o peso populacional e o potencial revolucionário do campesinato subordinado ao latifúndio semifeudal. Não avaliou, porém, que tal latifúndio estava massivamente expulsando os camponeses de suas terras. O Estado ditatorial, para fornecer mão de obra barata para os investimentos estrangeiros de seu “milagre econômico”, financiava a transformação dos latifúndios agrícolas em fazendas capitalistas mecanizadas.

Milhões de parceiros, rendeiros e meeiros das terras latifundiárias em que trabalhavam foram expulsos delas e obrigados a migrar para as cidades em processo de industrialização. Desse modo, a desejada base de apoio revolucionária camponesa esvaiu-se, embora sendo transformada numa potente classe operária urbana, que contribuiu decisivamente para o enterro da ditadura militar.

Como então, na atualidade, parte considerável da esquerda parece não haver se dado conta de que o capitalismo globalizado enfrenta uma crise profunda, busca novos mercados de mão de obra mais barata, e impõe ao Brasil um processo perverso de aumento do desemprego através da desindustrialização. E a burguesia brasileira, cada vez mais fundamentalmente agrária e financeira, aceita passivamente essa situação e, como no passado colonial, assume o papel de simples exportadora de minérios e produtos agrícolas, o que reduz consideravelmente a classe operária empregada e aumenta os contingentes dos sem-emprego e sem-nada.

Para comprovar a pouca atenção que as esquerdas dão a essa situação imposta pelas burguesias nativa e estrangeira presentes no Brasil, basta analisar o pouco empenho daqueles governos estaduais e municipais, comandados por correntes de esquerda, em adotar políticas, programas e planos de desenvolvimento industrial e, portanto, de crescimento da classe trabalhadora e da geração real de valor e de riqueza.

Ou seja, sem compreender as imposições do capitalismo, com suas contradições críticas de elevação combinada de produtividade e desemprego, globalização e colonialismo disfarçado, financeirização e crises destrutivas, tais correntes não enxergam que a economia política impõe cada vez mais, para superar tais contradições, mesmo parcialmente, o emprego de medidas da economia política socialista, mesmo mantendo o mercado como fator de realização, mas sob orientação e participação política e econômica do Estado.

Por outro lado, a imbricação entre o Estado burguês e o capitalismo como fonte de corrupção dos agentes políticos tende a se manter como grave ameaça à aplicação de políticas socialistas de desenvolvimento e de redistribuição da renda. O que obriga os socialistas a travarem uma batalha constante nesse terreno, de modo a evitar serem envolvidos por ela, tanto no âmbito nacional, quanto estadual e municipal.

Em outras palavras, para superar as derrotas eleitorais de 2020, impostas pelas correntes políticas de direita, a esquerda terá que realizar um esforço consistente para analisar seus erros políticos e organizacionais, e extrair deles os ensinamentos de superação. Sem isso, não passará de ilusão a necessidade de estimular a organização e a luta dos milhões de brasileiros que constituem as camadas sociais majoritárias.

Ou seja, a esquerda precisa conformar-se como uma corrente política cuja principal característica resida em sua ampla e consistente organização popular de base, que atua o tempo todo na defesa das reivindicações econômicas, sociais e políticas das camadas populares, e lhe permite ter um papel positivo também nos períodos eleitorais. O que lhe impõe a necessidade de construir, ou reconstruir, instrumentos de disputa ideológica, política e organizacional contra as correntes da direita, incluindo as que se mascaram de “centristas”.

É verdade que, na atualidade, o PT perdeu a centralidade que lhe permitia funcionar como articulador do conjunto da esquerda. Por outro lado, apesar de seus erros, ele pode retomar essa posição se tiver a capacidade de reconhecer e aprender com os próprios erros, superar suas incongruências programáticas e estratégicas, e adotar, como nos anos 1980, um programa de luta econômica, social, cultural e política capaz de mobilizar grandes contingentes populares e intermediários em defesa do desenvolvimento nacional e dos direitos democráticos e populares.

É difícil dizer se o PT vai ou não retomar tal posição, ou acabará sendo substituído por alguma das outras correntes de esquerda atualmente presentes no cenário político brasileiro. Por outro lado, em termos gerais, esse também é o caminho de enfrentamento contra as diversas frações direitistas, que procuram inclusive revogar as conquistas democráticas parciais incorporadas à Constituição de 1988.

Em outras palavras, 2021 começa com desafios históricos de longo alcance, mas de atualidade premente. Historicamente, mais uma vez a sorte está lançada e este ano parece destinado a desempenhar o mesmo papel que 1980 desempenhou na história brasileira moderna. A conferir!

Wladimir Pomar

Escritor e Analista Político

Wladmir Pomar
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