Voltando ao problema industrial brasileiro
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- Wladimir Pomar
- 10/11/2021
Embora parte de uma longa história, esse é um assunto fortemente presente na atual situação brasileira. Basta lembrar que, durante um longo período, a classe latifundiária brasileira, de passado profundamente colonial e escravista, se opôs à industrialização do Brasil e travou uma forte batalha para impedir que ela ocorresse. Nada muito diferente da atual campanha publicitária que procura impingir a ideia de que o agronegócio seria a "verdadeira indústria” brasileira.
A tenaz oposição da classe latifundiária às tentativas industrializantes do governo Vargas, após a chamada revolução liberal dos anos 1930, tinha por base uma forte aliança, e dependência, com os fabricantes europeus e norte-americanos de produtos industriais, demandados pela sociedade brasileira. Para manter os mercados externos para seus produtos agrícolas, aquela classe impedia a evolução industrial brasileira.
Na prática, a implantação do sistema industrial no Brasil dependeu, quase exclusivamente, da participação estatal, a exemplo da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, e da FNM - Fábrica Nacional de Motores. Somente a partir de meados dos anos 1950, quando a globalização capitalista começou a dar seus primeiros passos e a multiplicar investimentos em países com força de trabalho mais barata, é que a indústria privada brasileira ganhou impulso. Porém, com o defeito de um viés altamente estrangeiro e monopolista, depois acentuado, nos anos 1970, pela intensa escala da globalização do capital.
Essa dependência dos investimentos estrangeiros, sem forte concorrência nacional, sem oposição a seu sistema monopolista, e sem a transferência de novas e altas tecnologias para empresas brasileiras, inclusive estatais, fez com que, a partir da crise global de 2008, a “indústria brasileira” passasse a perder competitividade no mercado internacional. O que levou várias de suas unidades a abandonar o Brasil, desde então configurando um claro processo de desindustrialização.
De uma das dez maiores do mundo, a indústria de transformação brasileira passou a ser a 16ª. E, segundo informações da CNI, sua participação na formação do produto interno bruto do país, nos últimos 10 anos, caiu 1,6% ao ano. Com isso, reduziu brutalmente o número de trabalhadores demandados, não pelo crescente emprego de novas e altas tecnologias, como ocorre nos países capitalistas desenvolvidos, mas principalmente pelo crescente fechamento e/ou transferência de plantas industriais para outros países.
Assim, ao contrário dos países desenvolvidos, nos quais a redução de trabalhadores empregados ocorre em virtude da crescente participação de altas tecnologias, no Brasil essa redução se dá, principalmente, em virtude do fechamento de empresas e da transferência delas para o exterior.
Dizendo de outro modo, nos países desenvolvidos há mudanças estruturais nas forças produtivas que, por um lado, elevam a produtividade, a competividade e a lucratividade e, por outro, utilizam uma força de trabalho crescentemente qualificada, mas também crescentemente diminuta. Nesses países, embora seja possível empregar, durante algum tempo, uma considerável parcela da força de trabalho inativa para efetivar projetos de modernização da infraestrutura de energia e de transportes, como deseja o presidente Biden nos Estados Unidos, tal emprego será momentâneo e incapaz de suplantar o crescente desemprego estrutural ou tecnológico.
Nessas condições, os trabalhadores dos países desenvolvidos, para sobreviverem como seres humanos, tendem a ser colocados, cada vez mais, diante da necessidade de suplantar a contradição básica do capital e de seu sistema de propriedade, e constituírem uma sociedade de caráter socialista. O ressurgimento de correntes políticas socialistas nos Estados Unidos resulta, assim, da constatação daquela contradição por setores crescentes de sua sociedade.
Em tese, o Brasil não deveria estar sofrendo desses males do capitalismo desenvolvido por não haver alcançado o nível tecnológico que os gera. Porém, à medida que permitiu a suposta transformação do agro (e também da mineração) em “indústria”, e em que permitiu descompassos diversos em sua estrutura de desenvolvimento, viu surgirem problemas que seu capitalismo deveria ter resolvido há tempos.
Nessas condições, as infraestruturas energética e de transportes tornaram-se cada vez mais custosas e deficientes. O sucateamento do sistema ferroviário gera um custo crescente no transporte das mercadorias, certamente contribuindo para a redução da competividade industrial e, portanto, para a redução do próprio sistema industrial. E o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro praticamente congelou, com a educação, em seus diversos aspectos, sofrendo descompassos crescentes, e perdendo as condições para a formação e o desenvolvimento de profissionais cientificamente qualificados.
Em vista disso, não é difícil deduzir que a redução da participação da indústria no PIB brasileiro, além de elevar a dependência do país a produtos industriais importados, tende a gerar menos empregos, elevando e multiplicando a pobreza e a miséria. Embora isso pareça claro para uma parte da burguesia industrial brasileira, ela se limita a reivindicar a reforma tributária como condição básica para sua sobrevivência. Ou seja, para ela, os pobres e miseráveis que se lixem.
Em vista de tudo isso, qualquer programa político que tenha como eixo principal a melhoria das condições de vida do povo brasileiro precisará conter, como núcleo básico, um programa claro de industrialização, a ser inclusive financiado pelos bancos estatais, combinando empresas de propriedade privada e estatal. Tudo de modo a fazer com que o Estado brasileiro construa múltiplos instrumentos de produção industrial, de geração de novos e crescentes empregos, e de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, e atue fortemente para orientar a concorrência no sistema, evitando condições monopolistas.
Ou seja, partindo do micro, será necessário combinar todo e qualquer programa governamental de redução da miséria e da pobreza com programas de ampliação da produção dos micros e pequenos agricultores e de constituição de empresas industriais, de modo a fazer com que a amplitude do consumo esteja articulada à capacidade produtiva e contribua, tanto para a elevação do consumo e da produção, quanto do nível de vida do conjunto da população.
A isso deve aliar-se, ainda, a reconstrução dos biomas naturais, devastados pela fúria do agronegócio, e a reconstrução, modernização e ampliação da infraestrutura de energia e de transportes, assim como a modernização científica e a ampliação massiva da educação, suplantando a asnice de que o sistema educacional deveria reduzir-se às demandas atuais da força de trabalho.
E nada disso deve ser genérico nos programas governamentais de oposição à devastação atual. É necessário, desde já, pesquisar, analisar e discutir a realidade concreta, assim como produzir e discutir, de modo cada vez mais amplo e massivamente, os planos específicos a serem implementados em substituição ao desastre bolsonarista.
Wladimir Pomar
Escritor e Analista Político