Correio da Cidadania

Brasil: ladeira abaixo?

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Apesar das evidências de que o Brasil reduziu suas vulnerabilidades externas, não são poucos os que acreditam na possibilidade de uma forte desaceleração da economia brasileira. Para eles, sob o governo Lula, o país estaria despencando ladeira abaixo, e sua esperança é que a crise que deve se abater sobre o país não alcance a gravidade da ocorrida entre 1999 e 2002.

 

O que é um contra-senso, diga-se de passagem. Se o Brasil estiver, como pensam, mais vulnerável estrutural e economicamente, a atual crise deverá rebater com uma violência muito maior do que a de 1999. Diante da presente crise sistêmica internacional, aquela do final do governo FHC não passa de uma ducha de água morna.

 

Então, uma de duas: ou o Brasil realmente está mais vulnerável, e a crise mundial o levará a uma recessão avassaladora, ou o Brasil está menos vulnerável, e pode-se esperar que uma possível desaceleração do crescimento não signifique uma crise econômica mais profunda. Considerar que o país está mais fragilizado internacionalmente e cairá em recessão e, ao mesmo tempo, supor que isso pode não levar a uma crise de grande profundidade, não passa de jogo de palavras desconexas.

 

A presente crise mundial não é igual à de 1929, embora seja mais profunda do que aquela, entre outros motivos porque vários países emergentes, entre os quais o Brasil, entraram em rota de crescimento, fortaleceram em certa medida seu mercado interno, transformaram-se em parques industriais e não dependem exclusivamente dos mercados dos países desenvolvidos para manter sua economia funcionando.

 

O sistema bancário de vários deles, entre os quais o do Brasil, por motivos variados, também não ficou exposto aos papéis lastreados em hipotecas subprime e nem depende totalmente do crédito internacional, podendo manter linhas de crédito para as exportações e para o funcionamento do mercado doméstico.

 

É verdade que muitos desses países emergentes, aí também o Brasil, se beneficiaram das altas dos preços das commodities, e isso pode produzir problemas para a economia. No entanto, a economia brasileira não depende exclusivamente das commodities, ao contrário de países como a Venezuela, Argentina e Equador. Assim, embora tais produtos respondam por 50% das exportações brasileiras, e o Brasil não esteja livre dos problemas decorrentes da crise sistêmica, também não se pode dizer que este problema vai levá-lo ladeira abaixo.

 

Em outras palavras, do mesmo modo que o capitalismo não vai desmoronar por causa dessa crise, entre outros motivos porque o Estado dos países centrais está sendo colocado em ação para salvá-lo de sua própria dinâmica caótica, o Brasil e outros países emergentes enfrentarão melhor a crise atual porque seus Estados estão atuando no sentido de reforçar seus mercados domésticos e intensificar suas relações comerciais.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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Comentários   

0 #1 Outra Opinião!Raymundo Araujo Filho 12-11-2008 18:00
A reaslidade florida apresentada por Wladimir pomar tem, em seus bastidores o sangue e o suor de muitos trabalhadores para que a ração de caviar não seja muito reduzida á burguesia.

“Há uma bomba não desarmada”

Por Elaine Tavares - jornalista

Entrevista com o presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), economista Nildo Ouriques, que faz uma breve análise da crise e sua repercussão no Brasil.

P. A crise tão propalada nas últimas semanas já se esgotou?

N. Tem um problema central nesta crise que não foi resolvido. É um fato de que envolve aproximadamente 400 empresas. Elas podem se beneficiar, utilizando uma liberalidade do Banco Central, constituída na época de Gustavo Franco e perpetuada com Henrique Meirelles, que permitiu ao capital produtivo exportador vantagens indevidas e absurdas com a especulação do cambio. Ou seja, estas empresas podem vender lá fora e ficar com estes recursos sem internalizá-los durante um ano. Isso permite às empresas exportadoras, junto com o sistema bancário especular com a moeda nacional. Foram justamente mecanismos desta natureza e os chamados derivativos brasileiros que produziram esse rombo considerável, hoje seguramente superior a 60 bilhões de dólares, envolvendo a saúde financeira de mais de 400 empresas brasileiras que não encontram apoio no BNDES, escasso recurso no sistema bancário e que observam os 170 bilhões de reservas brasileiras como a única saída possível. Isso significa que há um acordo entre banqueiros e empresários com despesas financeiras extraordinárias não previstas, ultra-interessados num ataque especulativo contra a moeda nacional. É essa bomba que não foi desarmada no Brasil.

E é a sorte deste setor que vai determinar os rumos da política econômica e a capacidade do governo em manejar a crise. Este é o aspecto fundamental. Portanto, os 170 bilhões de reservas que o governo brasileiro afirma que são suficientes para estabilizar a moeda, a história financeira da América Latina e do Brasil mostra que eles podem desaparecer em questão de uma semana, se um ataque especulativo se configurar. Esse é um problema seríssimo que vai exigir um cuidado muito grande do Banco Central, um monitoramento muito grande do setor produtivo que até hoje não foi feito, ao contrário. Esse é problema número um. Os 170 bilhões, mais 30 bilhões do Fundo Monetário Internacional, mais 30 bilhões da Reserva Federal são, a meu juízo, incapazes de parar a voracidade do capital quando o patrimônio está em risco. E, sobretudo, a incapacidade do governo de fazer com que o empresário e o banqueiro tenha confiança na moeda na medida em que ele não possa se resguardar em dólares, esse é o segredo de uma moeda nacional forte.

O segundo problema é que o endividamento interno brasileiro que já era muito preocupante no passado e alcançou a cifra de um trilhão e 400 bilhões de reais segue cobrando seu preço, razão pela qual há já um consenso na grande mídia, no setor empresarial, no setor bancários de que as garantias para honrar os leilões da dívida interna devem necessariamente ser originados a partir de superávits fiscais ainda mais expressivos do que aquele que nós temos desde 1994. Isso significa que o governo está sendo forçado e, talvez, de bom grado atue nessa direção, a cortar investimentos na saúde, na educação, na segurança, na cultura, na ciência e tecnologia, impedindo o reajuste dos funcionários públicos, fazendo o corte de gasto corrente tradicional. E, naturalmente, limitando a capacidade de investimento do governo, o que seria fundamental numa estratégia de tipo keynesiano, o que se pode prever um futuro muito ameaçado no Brasil.

O terceiro elemento é que parece que essa crise muito profunda não ensinou o governo, que continua com amnésia criada em 1994 com o Plano Real, que de herança maldita passou a ser a jóia da coroa, razão pela qual o governo aplica a mesma política preconizada pelo FMI, com uma disciplina jamais vista. E não obstante o grande abalo das idéias produzidas por esta catástrofe mundial, os principais órgãos de comunicação e os interesses consolidados no Brasil parece que não aprenderam a lição e não estão dispostos a recuar um milímetro nas convicções que os tornaram mais poderosos, mais ricos, e tornaram o governo cativo destes interesses.

Então eu diria que há um desarme intelectual muito grande, que ainda não foi devidamente desarticulado. Há um rombo do setor produtivo que agora observas as reservas como, talvez, a única saída para afundar o país e salvar seu patrimônio e há ainda o drama adicional da dívida interna em particular, um dívida considerável que faz com que uma parte muito pequena da sociedade brasileira tenha ganhos extraordinárias sem produzir um prego sequer, razão pela qual a taxa de juros não baixa e não vai baixar. Porque grande parte dos títulos da dívida pública são remunerados a partir dela. Talvez o capítulo mais trágico e menos visível é que três milhões de trabalhadores que apostaram seu futuro nos chamados fundos de pensão viram que com as perdas bilionárias de empresas que pareciam sólidas, afetou a saúde financeira destes fundos como foi o caso da Sadia e da Previ. Isso mostra que aquela aliança feita em 1994 e 1998 de trocar as privatizações pelo ganho fácil da dívida pública também chegou ao seu limite, portanto, nenhum dos problemas estruturais foram desarmados com as medidas tomadas pelo governo brasileiro e o futuro é incerto e pode se tornar trágico se medidas adicionais não forem tomadas.

P. Na crise dos Estados Unidos o estado aplicou dinheiro para salvar os banqueiros, aqui no Brasil o Lula já deu dinheiro aos bancos e montadoras. Essa gente nunca perde. Quem é que realmente perde na crise?

N. Antes da eclosão da crise o governo brasileiro soltou um pacote para o setor industrial de 75 bilhões de dólares, e ainda na primeira metade do ano um pacote adicional de 2 bilhões para o agronegócio, com isenção de impostos, linhas de crédito favorecidas, recursos consideráveis que somaram 100 bilhões de reais e que se mostrou uma estratégia insuficiente. São recursos do orçamento público e capacidade produtiva do país que é colocada num modelo de acumulação de capital e de desenvolvimento da economia capitalista, extremamente nocivo, regressivo do ponto de vista da renda que limita o mercado interno, que não transforma as empresas brasileiras em multinacionais, não obstante uma ligeira expansão do mercado mundial e que mostra que a estratégia, no essencial está equivocada.

Esta é uma estratégia que consolida uma economia exportadora e, portanto, sacrifica o mercado interno, adia para as calendas gregas qualquer política de distribuição de renda e faz com que a maior parte da população conviva com uma taxa de desemprego altíssima, salários ultra precarizados. É, porque 76% dos assalariados brasileiros ganham até dois salários mínimos, o que gera um mercado interno muito reduzido, razão pela qual os capitais fecham seu ciclo de valorização fora, no estrangeiro. Isso torna o Brasil um país profundamente débil e desigual. Os recursos que o governo está repassando para o setor privado, tanto no campo como na cidade estão longe de tirar o Brasil da crise e apenas se constituem na velha e conhecida socialização dos prejuízos e privatização dos lucros para os mesmos que historicamente governam o país.
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