A síndrome do manual
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- Wladimir Pomar
- 23/06/2009
Se a militância com consciência adquirida, aproveitando-se do conhecimento de outras experiências de luta, for capaz de sugerir ações que ajudem as massas a superar suas dificuldades, teremos um caso concreto de influência da consciência sobre a mobilização espontânea.
No entanto, como em tudo o mais, foi a prática anterior que forjou aquela consciência. E será a prática da luta que comprovará se a influência consciente foi eficaz e contribuiu para a vitória. Ou se, ao contrário, não teve efeito, ou contribuiu para a derrota. Não é por acaso que alguns marxistas consideram a prática como o critério para definir a verdade, e sintetizam o método marxista como a análise concreta de uma situação concreta.
Em outras palavras, nenhum manual pode dar conta de todas as situações que a realidade oferece. No fundo, a dificuldade de uma parte da esquerda brasileira, diante da atual realidade e atitude das massas populares, consiste justamente no fato de que a situação política de nosso país, assim como de vários outros países do mundo, inclusive da América Latina, não consta de qualquer manual.
Vale a pena lembrar que, como uma das formas de resolver a questão agrária, Marx chegou a sugerir que os latifundiários fossem indenizados. O que, para alguns pensadores de esquerda, deve parecer uma espécie de traição. E que Engels, por sua vez, levantou a hipótese de que os social-democratas (quando os social-democratas eram revolucionários) poderiam chegar ao governo por via eleitoral, o que agora está se configurando como realidade.
Essas sugestões dos fundadores do materialismo histórico são, em geral, desconhecidas. E a possibilidade de sua concretização jamais fez parte de qualquer dos posteriores manuais doutrinários da esquerda. Assim, é natural que um sem-número de líderes e militantes populares estejam incomodados com a situação, inusitada, de partidos populares, partidos socialistas e partidos comunistas estarem vencendo eleições para governos. Isto, num continente que se notabilizou, até os anos 1980, algumas vezes, inclusive, com apoio social, por políticas ferozmente anti-populares, anti-socialistas e anticomunistas.
Também é natural que esses líderes e militantes, numa espécie de ação de autodefesa, abjurem tudo que cheire a espontaneísmo, mesmo que seja a espontaneidade de grandes massas populares. Ou que chancelem como traição tudo que se assemelhe à administração do capitalismo realmente existente, ou qualquer aliança com setores burgueses.
Um dos problemas reside em que, ao fazerem isso, quase sempre descambam para o voluntarismo, mesmo que apenas verbal. Ou, o que é pior, sob o argumento de que uma parte da esquerda traiu seus ideais, resvalem para posições conservadoras ou reacionárias, tomando-as como "mais progressistas". Exemplo evidente disso são as alianças políticas, especialmente nos parlamentos, entre setores da ultra-esquerda e o tucanato, sob o argumento de que o governo Lula é neoliberal e castrador da iniciativa popular.
Isso é o que se pode chamar de síndrome do manual. Com ela, esses setores abandonam qualquer possibilidade de elaborar políticas que respondam à realidade concreta com que nos defrontamos. E, como resultado, corremos o risco de vê-los apoiando o "progressista" Serra contra o candidato do PT e de Lula, nas eleições de 2010.
Wladimir Pomar é analista político e escritor.
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Comentários
Aquela análise sobre China é simplesmente risível.Cria enclaves milionários, uma classe média consumista e uma maioria miserável e sem emprego. Essa é a sua idéia de desenvolvimento da forças produtivas? Como disse Deng Xiaoping: Não interessa a cor do gato, o que interssa é que ele coma o rato. E o gato capitalista comeu o que restou do rato "socialista chinês": se é que existiu!!!!
Mészáros, em Para Além do Capital, demonstra como essa lógica incontrolável torna o sistema do capital essencialmente destrutivo. Essa tendência, que se acentuou no capitalismo contemporâneo, leva o autor a desenvolver a tese, central em sua análise, da taxa de utilização decrescente do valor de uso das coisas. O capital não trata valor de uso e valor de troca como separados, mas de um modo que subordina radicalmente o primeiro ao último. O que significa que uma mercadoria pode variar de um extremo a outro, isto é, desde ter seu valor de uso realizado, num extremo da escala, até jamais ser usada, no outro extremo, sem por isso deixar de ter, para o capital, a sua utilidade expansionista e reprodutiva.
Não basta apenas liquidar o capital tem que liquidar o capitalismo.Leia para Alem do Capital, Wladimir! Acho que você se atualizaria deveras.
Obrigado!
Sem um objecto sério definido, sem objectividade na sua suposta pretensão de analisar a realidade sócio-política existente e os seus actores, somente fica explícita a sua reiterada tendência para o elogio da espontaneidade das (amplas) massas, promovida à condição de sujeito único da transformação de esquerda. O que é bem pouco, se o aferirmos à luz da enorme necessidade de procedermos à análise e reflexão rigorosas sobre a situação brasileira actual, seus traços essenciais e seus desafios, seus riscos e suas potencialidades, encontrando o rumo justo que proporcione à militância socialista e de esquerda construir, na actual etapa, avanços sócio-políticos reais e progressistas.
O Governo Lula pode ser classificados de muitas formas, menos como neoliberal. Aliás, as suas políticas são a própria negação do neoliberalismo.
Infelizmente, alguns setores da esquerda só conseguem enxergar um caminho, todos aqueles que “ousarem” tentar novos caminhos são tachados de “traidores”, nada mais “antimarxista” do que essa tentativa de “assassinar” a dialética.
Pessoalmente, penso que o nobre Wladimir Pomar em vez de se ocupar em criticar aqueles que não aceitam a traição de classe que é perpetrada pelo Lula e seu esquema político e aliados, inclusive que se dizem de esquerda, deveria se ocupar em criticar o Manual Neoliberal, este sim presente entre nós, e confeccionado bem longe daqui, e aceito como a Nova Ordem Mundial, por aqueles governistas que dizem querer combater as injustiças sociais.
O manual que Wladimir Pomar deveria se ocupar, por que, este sim real e palpável, é o que está sendo executado, e tendo um dos seus principais pilares a cooptação de intelectuais, políticos e agentes sociais para este projeto corporativo, empregatício e entreguista que encerra a Natureza do governo Lula.
E ainda bem que existem os inconformados e bons analistas da realidade, que tentam, a todo custo, classificar como "expontaneístas" e "voluntaristas".
Recomendo o livro Ensaios Contra a Ordem, de James Petras, que é um roteiro descritivo dos mecanismos de cooptação pelo Capital de agentes para a execução da rapingem Econômica e Cultural. Parece que foi escrito para o Brasil atual.
O papel aceita tudo. Mas nossas consciências não!
Entretanto as ultimas frases infelizmente, temo dizer, são, no mínimo, questionáveis.
Em primeiro lugar creio que há argumentos e fatos de sobra para qualificar o governo Lula como de fato neoliberal, do pior tipo, pois estamos a beira de mecanismos de reconversão colonial, combinado com algumas poucas políticas compensatórias que anestesiam a percepção do tipo de desenvolvimento e prática política em voga... claro que há avanços, mas de quem é o crédito de tais avanços, de um governo ou das milhares e milhões de anôminos que lutas, de variadas formas, todos os dias... me parece que as melhorias promovidas pelo atual governo, além de subordinada a uma lógica dominante, são sempre na mera intenção eleitoral ou um projeto político-partidário de dominação, dai as diferentes blindagem do tipo "eu não sabia"...
Outro ponto problemático é fechar a questão em duas opções apenas: ou Lula ou Serra, dito de outro modo, ou PT ou PSDB.
Me parece que ambos demonstraram que não tem, absolutamente, nenhum compromisso ou projeto de mudança social e econômica a altura do desafios atuais, seja do nosso povo, seja de toda uma civilidade, ou seja, não há de fato a intenção de atacar os mecanismos essenciais de exploração do trabalho e destruição dos ecossistemas...
Por outro lado, é necessario também outro questionamento: será que esta "democracia representativa" é de fato digna do primeiro termo? Existe um Estado Democrático de Direito? Ou ainda temos as mesmas práticas, mesmas lógicas, mesmas estruturas, mesmas pessoa que concentram poder político e econômico e, com isso, sufocam as tentativas e lutas históricas por justiça social e por um novo tipo de desenvolvimento,desenvolviment o este centrado no trabalho, no valor de uso, no necessário equilíbrio ecológico e nas necessidades humanas ou condições de vida dignas?
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